Não podia culpar Christopher por não querer se envolver com aquelas mulheres. Existiam maria-chuteira, maria-gasolina, e agora, infelizmente, parecia que podiam cunhar o termo maria-maldição. Não que ele esperasse que Christopher fosse alguém que gostasse da atenção o tempo todo, como seu melhor amigo (ou talvez fosse exatamente o que esperava dele). Já Matteo, que estava acostumado com a atenção que ganhava na cidade, estava cansado da nova onda de atenção. Antes a atenção ao menos fazia algum sentido. Fosse pelo seu corpo ou por sua falta de disponibilidade, ao menos era por algo que ele fez, e não uma coisa completamente alheia a ele. Mas estava aprendendo a ignorar, afinal era tudo que podia fazer. Já tinha que lidar com as demandas de Zafira e com a loucura que era uma daquelas pessoas serem "sua alma gêmea", ele não precisava adicionar nada para que sua cabeça estivesse pior do que quando tentava passar pelo ensino médio sem Neslihan para ajudá-lo.
“Eu faço luta,” ele disse distraidamente. Não que fosse o que ele iria fazer naquele dia, mas de certa forma havia se prendido ao outro rapaz, então o mínimo que podia fazer era alinhar o que fossem fazer, “mas não pulo a musculação.” Matteo sabia o que certas pessoas pensavam dele, mas naquele lugar ele não podia ser questionado sobre o que fazia. Seu hiperfoco com seu corpo havia se tornado indiscutível e essa era, possivelmente, a razão pelo qual ele havia aprendido sobre exercício físico e alimentação de forma certeira. "Prefere começar com costas ou braços?" Matteo perguntou, focando naquilo que podia controlar e sem sair muito do assunto de onde estavam. Afinal, se não fosse pela maldição, o que mais ele e Christopher teriam em comum?
Christopher pressionou os lábios ao ouvir a menção do rumor. Seria Camilo o responsável por espalhá-lo, ou teria sido obra das mulheres que festejaram com eles naquela noite? No fim das contas, pouco importava. Conhecendo os habitantes de Khadel, aquele boato ainda ecoaria por um longo tempo. Pelo menos agora, ele já poderia se preparar para situações como aquela. "Sempre tem um imbecil " murmurou, tentando disfarçar o fato de que tinha quase certeza de quem era o culpado. A fala seguinte o fez virar levemente a cabeça na direção do grupo que, instantes antes, quase o engolira vivo. Embora não estivessem mais o encarando descaradamente, ainda lançavam olhares furtivos em sua direção. Estariam imaginando que ele e seu companheiro estavam em um encontro? Se algo do tipo chegasse aos ouvidos de Camilo, Christopher já conseguia prever os xingamentos que receberia. "Ah, não. Vim buscar um pouco de força para matar meus leões do dia, não para trocar de animal" resmungou, franzindo o cenho antes de voltar o olhar para frente.
"Bom, eu treino luta aqui. Muay Thai, para ser mais exato" disse em um tom casual. "Normalmente, faço alguns exercícios antes do sparring." Com um leve movimento de cabeça, apontou na direção do ringue, onde duas duplas trocavam golpes em sequências bem ensaiadas. Os ecos dos impactos ressoavam pelo ginásio, misturando-se ao cheiro de suor e couro desgastado. As vezes era complicado refrear a vontade que tinha de sair passando desodorante das pessoas ali dentro. "Mas, pelo que estou vendo, meu mestre esqueceu de me avisar que não viria trabalhar hoje " acrescentou com um toque de sarcasmo, dando de ombros. Ele então voltou a encarar Matteo, estudando-o por um instante. O que ouvira de Camilo deixava claro que Matteo não era exatamente o cérebro mais afiado de Khadel, mas seu físico evidenciava que ali era possuía plena noção do que fazer, o que por sua vez fazia com que Christopher ficasse menos recesseoso ao segui-lo em um treino. " Você faz alguma luta também ou fica mais nos aparelhos? É parecido o suficiente para conseguirmos encaixar algo?"
Deu um curto aceno de cabeça para indicar que não havia sido um grande problema. Matteo estava ciente, em primeira mão, em como aquela atenção era chata. Os olhares que o acompanhavam para todo lugar nunca foram tão intensos quanto agora e tinha a sensação sufocante que as pessoas colocavam mais esperança naquela história do que deveriam. Ele nem ao menos acreditava que aquele grupo de desajustados tinha poder de mudar alguma coisa. Porém, se não podia ajudar toda a população, ao menos pode ajudar, Christopher. O que ele deveria realmente agradecer é que elas não olharam ambos como dois pelo preço de um. Talvez a sua fama de rabugente estivesse sobressaíndo ao seu título de solteiro cobiçado. Ou talvez estivesse esperando que eles sutilmente estivesses num encontro. O que, para Matteo, era um pensamento ridicularmente cômico. A ideia de Christopher ser sua 'alma gêmea' parecia tão impossível quanto Camilo Ricci. Se ele acreditasse em um destino cósmico, eles provavelmente seria uma piada cósmica para todos. O que, além do local em que nasceram, tinham em comum? Ele olhou Christopher de cima a baixo ─ tudo bem, não o conhecia de verdade, mas entre sua amizade com aquele que era seu nêmesis, sua profissão e a sua cantoria pelos bares da cidade, Matteo não via nada em comum entre ele. "Aparentemente alguém começou um rumor que se você transar com um reencarnado, você consegue se apaixonar," respondeu meio sem emoção. Ouviam rumores diferentes sobre os reencarnados todos os dias. Os rumores em relação à maldição estava começando a sair do controle desde que Olivia anunciou para todo mundo em praça pública a confirmação deles. Não que ele já tivesse aceitado essa condição. Matteo não se colocaria naquele grupo tão cedo. A distoância entre eles é nítida, mas ele não estava desconfortável com o novo companheiro do dia. Talvez porque estivesse no único lugar onde se sentia verdadeiramente a vontade, talvez a cada dia que passasse se importasse menos com o status. A confusão mental que o dia na cachoeira trouxe parece menos assustadora a cada dia que passava. "A menos que você queira voltar para os urubus," ele disse, olhando por cima do ombro para as mulheres. Elas já tinham se dissipado, mas ele ainda pegou uma ou outra olhando furtivamente para o homem. Seu suspiro foi longo, mas não se pendeu muito nos outros. Não era comum para ele ter um companheiro, a menos quando estava treinando alguém especificamente. Não era exatamente o caso dele, mas não duvidava que a forma de Christopher em um exercício ou outro seria o suficiente para lhe irritar e fazer com que ele mostre o correto. "Você tem um plano?" Ele perguntou, ao menos para ele era óbvia a referência ao plano de exercício, ao que iria fazer na academia, ou ao menos qual músculo iria trabalhar. Se iriam enfrentar aquele dia juntos, tinham que ao menos estar nos aparelhos próximos.
Christopher estava longe de ser um exemplo de dedicação ao condicionamento físico. Fazia apenas o necessário para manter a estética dentro dos seus próprios padrões e, depois, agradecia silenciosamente ao universo por ter sido agraciado com uma boa genética. Diferente do prazer genuíno que sentia ao passar horas sozinho, dedilhando as teclas do piano ou as cordas do violão, a academia lhe causava uma sensação quase claustrofóbica — especialmente em dias lotados como aquele. O espaço tomado por corpos suados, aparelhos disputados e, pior ainda, a presença inevitável de indivíduos cuja relação com o desodorante parecia inexistente tornava tudo ainda mais desagradável. Ainda assim, fazia questão de ir um pouco além do mínimo. Confiava na sorte, mas nunca a ponto de depender apenas dela.
Naquele dia, Christopher se arrependeu de cada gota de combustível desperdiçada para chegar ali. Assim que cruzou a entrada, foi imediatamente cercado por uma enxurrada de pessoas, todas ávidas por respostas que ele não queria — ou simplesmente se recusava — a dar. Perguntas sobre a maldição, sobre quem ele achava ser sua suposta alma gêmea e uma infinidade de outras especulações ecoavam ao seu redor, tornando impossível fingir que não as ouvia. Foi então que uma voz masculina se destacou no meio do burburinho, chamando por ele. Ao virar-se na direção do som, Christopher avistou Matteo. "E aí, Matteo. Já estava achando que ia se atrasar no primeiro dia." Apesar da falta de proximidade entre eles, reconhecia o outro perfeitamente — não apenas pelas incontáveis vezes em que ouvira Camilo xingá-lo, mas também pela fatídica noite na cachoeira. Não tinha uma opinião formada sobre Matteo, mas, naquele momento específico, depois de ser salvo daquela multidão insuportável, o cara facilmente poderia ocupar o top cinco de sua lista de pessoas favoritas.
"Valeu por isso." Murmurou em um tom mais baixo assim que se afastaram do grupo. Ainda lançando um olhar discreto por cima do ombro, como se temesse que os curiosos voltassem à carga, Christopher fez uma careta antes de resmungar: "Por um momento, achei que era uma carcaça cercada por urubus." Endireitou a postura, tentando recuperar um ar de normalidade e evitar atrair mais atenção indesejada. Depois, voltou o olhar para Matteo, avaliando-o rapidamente antes de soltar, com um misto de simpatia e incerteza: "Isso quer dizer que o treino de hoje vai ser em dupla...?" O tom era amigável, mas a hesitação era perceptível. Afinal, não se conheciam de verdade, e Christopher ainda tentava decifrar qual seria a melhor maneira de lidar com ele.
A rotina matinal dele é sagrada. Acorda sempre no mesmo horário, independentemente do dia. Antes de qualquer coisa, bebe um copo d’água gelada e faz alongamentos. Se alguém interrompe esse ritual, ele passa o dia inteiro se sentindo esquisito.
Não suporta bagunça, mas vive perdendo as coisas. Seu apartamento é impecável, mas seu senso de organização é caótico. Óculos de sol, chaves e carteira somem constantemente, e ele já ficou paranoico achando que estava sendo roubado, quando na verdade tinha colocado tudo na geladeira sem perceber.
Adora frutas, mas detesta cortá-las. Bananas são sua escolha porque não precisa de faca, e maçãs são comidas inteiras, sem fatiar.
Tem um diário digital que nunca leu duas vezes. Escreve notas sobre seus pensamentos no celular, mas nunca tem coragem de reler, com medo de encarar seus sentimentos.
Odeia quando falham com ele, mas vive cancelando planos. Tem uma necessidade profunda de estabilidade emocional, mas ironicamente, quando sente que algo está ficando sério demais, é ele quem desaparece.
Evita restaurantes chiques. Prefere lugares pequenos e discretos. Tem um café favorito onde ninguém o reconhece e sempre pede o mesmo café preto forte.
Anda sempre de fones de ouvido mesmo sem música tocando, só para evitar conversas aleatórias.
Odeia a ideia de envelhecer. Cada novo fio de cabelo branco é arrancado no mesmo instante em que ele percebe.
Gosta de jogos de tabuleiro, mas joga para ganhar. Monopoly já destruiu amizades suas.
Tem medo de pequenos espaços. Elevadores o deixam desconfortável, e ele prefere sempre escadas, alegando que é para se exercitar.
Detesta ser surpreendido com abraços. Não sabe reagir e fica tenso, mas se alguém que ele confia o abraça devagar, ele relaxa e, às vezes, até fecha os olhos, aproveitando o momento.
A primeira vez que viu uma foto dele viralizar, sentiu pavor. Achou que iam zoá-lo como na escola, e demorou para entender que era admiração e desejo.
Escuta podcasts de autoajuda e motivação, mas nunca admite para ninguém.
Sempre responde mensagens mentalmente, mas esquece de responder de verdade, o que faz parecer que ele ignora as pessoas.
Gosta de perfumes amadeirados, mas tem um cheiro favorito que é absurdamente doce e que nunca admite para ninguém.
( @khdpontos )
Débito cármico. Aquilo sim parecia mais provável que uma maldição de desamor, porque Matteo certamente estava pagando algum tipo de pecado. Imaginou que foi por todas as vezes que não prestou atenção à missa que sua mãe o levava, ou por aquela fez que viu um vídeo... Balançou a cabeça, espalhando os pensamentos. Matteo não deixou de notar a falta de resposta do outro, mas não se manteve no assunto. Sabia que não iria ganhar nenhuma resposta melhor tentando força-lo, porque ele mesmo não daria uma se estivesse no lugar de Aaron. "Não vai me dizer que está com ciúmes?" Rebateu rapidamente. Ele sabia que Aaron e Olivia haviam sido amigos quando criança, mas não sabia muito mais informações que aquilo. Não parecia ser um assunto que Olivia gostava de falar muito e ele nunca forçou. Não sabia qual havia sido o motivo, mas não era difícil pensar que Aaron poderia ter ficado... Amargo sobre o que perdeu. O julgamento não sairia dos seus lábios, mas ele não aceitaria que o outro forçasse qualquer que fosse o julgamento que ele estava fazendo na sua cabeça. "Você é apaixonado por ela ou algo assim? Eu não tenho nada com Olivia faz anos, cara." Sua vida era bem mais que Olivia. Na verdade, faziam anos que ele e Olivia não haviam mais nada, então não sabia o que despertava essa conclusão no outro. Ao contrário de Matteo, falavam que Aaron podia ser brilhante, mas talvez algumas coisas não podiam simplesmente serem ensinadas. "Alguns papéis importantes para mim voaram e foram carregados pelo fluxo do rio para lá." Ao contrário de Aaron, sua resposta era, ao menos, uma resposta de verdade, mesmo que não fosse completamente verdadeira. Ele não falaria o teor dos papéis, mas ao menos não tinha respondido com nada além de sarcasmo.
Aaron soltou um som baixo, algo entre um riso abafado e um suspiro de desdém. Girou o vinho na taça mais uma vez antes de responder. “Isso faz mais sentido,” disse, referindo-se à teoria de Matteo sobre assassinos e vítimas. “Pelo menos explicaria por que todo mundo parece tão obcecado uns pelos outros. Débito cármico ou algo assim.” Ele deixou o corpo relaxar na cadeira, inclinando levemente a cabeça ao ouvir a pergunta sobre a cachoeira. “Como todo mundo: péssimas decisões", mentiu. Levou a taça aos lábios, analisando o homem do outro lado da mesa enquanto refletia se dizia a verdade ou não. Blackwell não queria admitir que pensara ter sentido o cheio do bolo preparado por sua mãe na infância. Por algum motivo, acreditava que aquilo o deixaria...vulnerável demais. Seus olhos avaliavam Matteo com atenção, tentando entender o motivo da pergunta. “E você? O que te arrastou para lá?", estreitou os olhos, lembrando que ele tinha alguma relação com Olivia. Não tinha? "Não vai me dizer que foi por conta da Fuentes".
Um espelho. Apenas um espelho. Como algo tão simples poderia ter qualquer significado? Matteo tentava processar a cena diante dele, mas nada fazia sentido. Seu caderno, o grupo ao seu redor, a cachoeira, aquela voz… tudo parecia uma realidade paralela, um sonho estranho do qual ele acordaria a qualquer instante. Ou melhor, um pesadelo. Mas por que, então, podia sentir a água fria escorrendo pelo corpo, o vento zunindo em seus ouvidos e a camisa encharcada aderindo ao peito? Seus sonhos nunca lhe pareciam assim tão reais.
Ainda assim, não podia ser verdade. Não podia deixar sua mente pregar essa peça nele. Se convencesse a si mesmo de que era tudo uma ilusão, talvez conseguisse afastar aquela sensação incômoda crescendo dentro de si. Matteo sentiu uma gota de suor percorrer a tênue linha da sua mandíbula, misturando-se à umidade do ambiente. Seu coração tamborilava contra as costelas com tanta força que ele jurava que todos podiam ouvir. Tentou ignorar. Tentou afastar a ideia absurda de que aquilo era real.
Se aquilo não passava de um delírio coletivo, por que continuava repetindo para si mesmo que não era verdade? Pensamentos intrusivos zuniam em sua mente como mosquitos incômodos, e ele lutava para dissipá-los. O mais lógico seria simplesmente dar meia-volta e ir embora. Fingir que nada daquilo aconteceu. Preferencialmente, nunca mais pisar naquele lugar e esquecer aquelas pessoas. Olhou de soslaio para o restante do grupo. Não formavam um conjunto harmonioso; na verdade, pareciam escolhidos por algum roteirista de tragédias com um senso de humor cruel. Era óbvio que estavam ali para entreter algum espectador invisível. Um alívio cômico, talvez. E a piada era ele.
Camilo, o primeiro a zombá-lo, obviamente. Esse sim, a maldição personificada. Matteo foi o primeiro a falar, mas agora se arrependia. Deveria ter permanecido calado, deveria ter ido embora sem receber o coice do mauricinho. Sentiu a raiva borbulhar em seu estômago e apertou os punhos. Por que ele precisava ser tão insuportável? Obviamente, Camilo nunca ouvirá um "não" em toda sua vida. Isso tornava ainda mais prazeroso ser a pessoa que lhe negava alguma coisa. Se fosse forçado a participar dessa palhaçada, ao menos poderia tirar um pouco de satisfação disso. Pequenos prazeres da vida. Mas se aquele homem fosse sua alma gêmea… Era melhor todos se prepararem para os próximos cem anos de puro caos.
Observou o homem ir embora, silenciosamente agradecendo por não ter perdido o pouco de paciência que lhe restava.
E então, Olivia. A escolha lógica. O destino mais previsível. Matteo sentiu os ombros enrijecerem. Eles tinham algo, não tinham? Algo que acabou tão dramaticamente quanto um acidente de carro em câmera lenta. Mas de forma muito mais silenciosa. Não poderia ter terminado de outro jeito. Matteo rangeu os dentes, afastando o pensamento. Nada daquilo importava. Não existia maldição.
Pasqualina. Graziella. Aaron. Helena. Christopher. E a novata…
Matteo tentava imaginar qualquer um deles como seu par romântico. Como almas gêmeas. Mas a ideia era risível. Ele nunca entendeu o amor. Para ele, era um conceito estrangeiro, algo que nunca lhe foi apresentado de forma verdadeira. Havia carinho por sua família, claro. Mas o carinho é uma obrigação, um dever. Nunca algo espontâneo, nunca algo livre. Se nem seus pais foram capazes de demonstrar amor, como poderiam esperar que ele o reconhecesse? Pior ainda: como poderiam esperar que ele o reproduzisse? Que se tornasse vulnerável a algo que nunca conheceu? Não. Era perda de tempo.
E ainda assim… parte dele queria que fosse verdade. Parte dele queria acreditar que algumas daquelas pessoas poderiam encontrar algo real. Porque, se o amor realmente existisse, então talvez houvesse esperança para ao menos alguns deles. Mas para Matteo? Não. O amor não estava em seu caminho. Era um conto de fadas para outros, não para ele. Estava muito melhor mantendo a cabeça baixa, focado em seu próprio caminho. Nunca mais deixando que o menosprezassem. Nunca mais sendo rebaixado. Nunca deixando que a vulnerabilidade o fizesse motivo de chacota novamente.
Com os pensamentos tumultuados, Matteo ignorou sua vespa largada na Casa Comune e seguiu a pé até em casa. Seus passos eram mecânicos, a mente perdida em suposições e dúvidas. A água ainda escorria de suas roupas, deixando rastros pelo caminho, mas ele não se importava. Ao chegar, deitou-se na cama sem tirar a roupa molhada, deixando que o lençol e o colchão absorvessem seu desalento. Fixou o olhar no teto, mas enxergava apenas o vazio. Seu coração ainda batia forte contra as costelas, resquício do medo, da raiva, da confusão.
Ele não compreendia a maldição. Mas sabia que, de alguma forma, ela já estava enraizada dentro dele. E isso era a pior parte.
( @khdpontos )
Ele soltou uma risada. Não esperava que Aaron tivesse qualquer senso de humor. Não que Matteo fosse conhecido pelo seu grande senso de humor, mas estava esperando mais um punhado de comentários ríspidos e sarcásticos. Pelos burburinhos, Aaron era tão conhecido por isso quanto ele era conhecido pela sua falta de vontade de conversar com os outros. "Pela diversão?" Perguntou com se não o entendesse, com uma sobrancelha levantada. "Eu estou aqui porque nosso amigo falou para eu o encontrar aqui. Eu não sabia que era um encontro." Talvez a sua resposta fosse muito defensiva, mas ele não queria que o outro ficasse pensando que ele estava indo para um encontro e, pior, com Nico. Tinha uma reputação para manter. "Eu acho que as forças cósmicas tem mais o que fazer do que decidir a minha vida amorosa," Matteo disse de forma resoluta, so contentando em dar uma resposta rasa. Com oub sem maldição, não acreditava que havia algo escrito nas estrelas, algum caminho que ele deveria seguir. Se existisse, alguém nesse universo devia odiar muito sua família, porque eles não podiam ter recebido uma mão pior para o jogo da vida. "O grupo de almas gêmeas? É mais capaz de termos sido assassinos e vítimas um do outro do que qualquer coisa romântica," comentou passageiramente, se rendendo ao copo de vinho em sua frente e tomando um gole. "Como você foi parar na cachoeira?" Perguntou.
Aaron soltou um riso curto, balançando a cabeça enquanto girava a taça de vinho que já tinha na mão. "Não, não diria isso." Levou a bebida aos lábios antes de continuar, a expressão carregada de ironia. "Mas, considerando que sua alternativa era o Nico, eu definitivamente sou um upgrade." Ele apoiou um cotovelo na mesa, observando Matteo com um interesse mais analítico agora. A cidade inteira estava obcecada com aquela história de almas gêmeas, e era interessante ver como cada um lidava com isso. Matteo, ao que parecia, estava tão cético quanto ele – o que tornava aquilo tudo um pouco mais suportável. "Mas já que tocamos no assunto," continuou, agora mais relaxado, "o que você acha dessa coisa toda? Vai fingir que não acredita e só está aqui pela diversão, ou já está começando a pensar que pode ter uma força cósmica decidindo sua vida amorosa?" A pergunta veio com um tom levemente provocativo e levemente julgador, mas sem pressão real. Apenas uma forma de medir a temperatura do encontro – e do próprio Matteo.
Franziu as sobrancelhas juntas, optando por não dar uma resposta a primeira interjeção que ela fez, como se devesse ser claro para ele. Sua personalidade podia ser um pouco direta demais — bruta até — para que ele conseguisse dar uma resposta que retrucasse e ainda soasse amável. Matteo definitivamente não tinha aquele domínio. Talvez ela não tivesse entendido que não tinha a ver com ela, mas sim com ele. Ele quem precisava que ela aceitasse sair dali, ao invés dele mesmo ter que confirmar que não queria estar ali. Ele que não tinha nada a ver com aquela tenda estranha. Mas seria ele também que ia ter que engolir os seus gostos e tentar aquele encontro. Por Olivia. E, a última coisa que ele queria fazer, era brigar por conta de uma dinâmica estúpida de Khadel — por mais que tirar as roupas fosse a última coisa que ele queria.
Matteo normalmente não tinha problemas em ficar semi-nu. Era parete do seu trabalho e ele lidava bem com as inseguranças que ainda existiam. Não era como se tivesse satisfeito ao se olhar no espelho, mas, desde a sessão com a Zafira, as coisas haviam deteriorado. Era quase como se ele também não sentisse seus músculos, além do olhar no espelho e não enxergá-los. Tudo que podia ver, ou sentir, era o Matteo de treze ou quatorze anos. Aquele Matteo não tinha chance alguma com essa Olivia. Ou com qualquer outra pessoa. Aquele Matteo não teria a carreira que tinha, ou qualquer outra coisa do seu presente. Agora que ele não podia ver como havia alcançado aquilo, sua vida parecia uma farsa.
Respirou fundo enquanto ela parecia interessada em olhar os potes e frascos. Matteo não achava que ele estava muito diferente do seu usual. Normalmente, ele parecia tenso, ou indiferente, ou com uma expressão de poucos amigos que ainda assim não afastava metade da cidade, que parecia determinado a quebrá-lo. Descobrir a sua sexualidade, ou conseguir conquistá-lo parecia uma espécie de hobby olímpico em Khadel, apesar das suas inúmeras tentativas de acabar com as investidas. "Não," disse com firmeza, decidido que não podia estragar a primeira oportunidade que conseguiam de ficar juntos novamente, "não tem importância." Tinha, mas ele não queria estragar o primeiro encontro que tinham em anos, sem contar aquele do Giardino — que talvez não fosse tão encontro assim. Ele sabia que teriam que conversar sobre aquilo, cedo ou tarde, mas falar de Aleksander em qualquer situação já era o suficiente para acabar com o humor dos dois — no acontecido então, seria infinitamente pior. Só não seria pior se ela ouvisse de outra pessoa. Mas colocou o seu melhor sorriso no rosto para tentar mudar como se sentia no momento, "não podemos pular a massagem."
O lugar era bonito, calmo, perfumado. Uma mistura de lavanda, citronela e algo levemente doce que ela não sabia nomear. Olivia optou por um look romântico e delicado, com blusa floral de mangas bufantes, jeans claro de cintura alta e tênis branco básico. O cabelo semi-preso com scrunchie, uma vibe leve, sonhadora e feminina muito diferente da imagem de mulherão que imprimia todos os dias pela cidade. Mas ela queria se sentir mais livre, mais ela mesma, especialmente se queria se reconectar com o Matteo, não podia ir munida das máscaras que costumava usar. A presença dele ao seu lado era tão física que parecia mais um cheiro, uma temperatura, uma vibração na pele. Tiveram dificuldade de marcar um encontro depois do Il Giardino, as agendas de ambos pareciam não bater, mas não os impediu de tentar. E conseguiram. Olivia ouviu com atenção o profissional explicar os tratamentos disponíveis. Até que ficaram sozinhos. Ela virou o rosto para ele devagar, o olhar focado nos olhos, como se escavasse algo. Estava de peito aberto ali, mas precisava que ele também. — É, Teo. Eu tô aqui, não tô? — Falou baixo, quase doce, mas com aquela firmeza que sempre usava quando queria desafiar sem parecer agressiva. Havia algo ali, no jeito como ele perguntava, que a deixava confusa e levemente irritada. Como se esperasse que ela desistisse. — Se você quiser, podemos escolher outra coisa. Mas vai estar perdendo essas mãozinhas fantásticas em ação. — Mostrou as mãos, o sorriso, dessa vez num tom mais divertido, enquanto pensava no que poderiam fazer ali. Cuidar da pele, do corpo, relaxar... algo mais. Qualquer ideia era atrativa quando se tratava dele, e ela desejava que ele se sentisse tão confortável quanto ela se esforçava para estar.
Caminhou até a bancada de produtos, passou os dedos pelos potes de vidro, pelas texturas. Uma piadinha sensual chegou a ponta de sua língua, mas ela guardou para si. Em outro momento teria oportunidade. Suspirou, pensativa. Por ela, ficaria horas na companhia dele naquela sala. Tocando seu corpo, sentindo seu calor, conversando como fizeram naquela noite em que tudo mudou, e torcendo para que, dessa vez, as coisas fossem diferentes. Virou-se para ele com um óleo em mãos, mostrando-o como se filmasse uma publi para seu instagram. — Esse aqui parece ótimo. O cheiro é bom, tem propriedades calmantes. — Voltou a caminhar na direção dele, enquanto falava. — Você parece tenso... — Sondou, sem muitos rodeios. — Quer falar sobre isso, ou só esquecer o assunto com uma boa massagem? — Perto o suficiente, ela encarava o seu rosto, buscando seus olhos e tentando entender o que havia mudado desde o jantar. O encontro no Il Giardino começou um pouco conturbado, mas passaram o restante da noite conversando e rindo, como se não tivessem ficado sete anos sem falar um com o outro. A possibilidade desse tempo afastados depois do delicioso jantar ter feito Matteo repensar e não desejar mais se aproximar dela causou um bolor na garganta, um embrulho no estômago que estava se tornando difícil de ignorar ou disfarçar.
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Olivia sempre foi teatral, espontânea... Não era a toa que ela estava anunciando em praça pública que ela era uma das reencarnadas e, não apenas isso, que ele era um dos possíveis pares. O quanto ele acreditava que ela não falava apenas da boca para fora ainda seria determinado, mas podia sentir a incerteza palpável enquanto ela pensava na pergunta dele. E a resposta era, de certa forma, surpeendente. Talvez esperava que ela fosse dizer que era tudo parte do seu teatro. Olivia sempre foi boa em manipular a percepção do público. Mais havia algo de genuíno na sua resposta. Uma fagulha de esperança numa coisa tão distante e intangível que ele não parecia estar de frente para a Olivia, musa de Khadel, mas a Olívia de onze anos que ele emprestou seu casaco. Concordou brevemente com a cabeça, agora seus pensamentos mais agitados que antes, porque era fácil fingir que tudo não passava de um sonho ruim quando todos estavam descrentes, mas as palavras de Olivia parecia atingí-lo um pouco mais certeiras do que ele gostaria de admitir. Ele não sabia ainda como colocar os seus pensamentos em palavras, tão típico de Matteo, quando seus pensamentos voavam muito rápido ele não conseguia ordenar o que gostaria de dizer com facilidade, por isso preferiu o silêncio como resposta.
'O que acha de conversarmos melhor sobre isso...?' Aquelas palavras podiam ser um tormento pessoal para Matteo. A ideia de conversar sobre o relacionamento deles, por mais breve e momentâneo que tivesse sido, havia sido significativo para ele. Suficientemente para que ele se abrisse com ela, o que não era algo que Matteo fazia com frequência. A intensidade do que havia sentido numa noite só poderia ter se caracterizado como paixão, por mais que eles não pudesse conhecer tal sentimento. Mas como poderia enquadrar o sentimento que sua felicidade era dependende da risada da outra naquela noite? Que as coisas que ela lhe contava era o mais precioso dos segredos? Mas a noite efêmera e seus sentimentos havia se evaporado na manhã seguinte com a nausea que um breve olhar para o rosto de Olivia lhe causava. Súbitamente era como se fosse imãs iguais, se repelindo com uma velocidade extraordinária. Deveria manter sua distância? Evitar que aqueles efêmeros sentimentos pudessem voltar a superficie de alguma forma? Matteo não acreditava que eles ainda existiam dentro de si porque o que sentia ao olhar para a morena era uma nostalgia, de estar com a pessoa que lhe conhecia tanto, mas ao mesmo tempo não sabia de nada. Muitos anos se passaram desde que Olivia havia habitado no seu mundo privado e Matteo já não era mais a mesma pessoa. Ele mantia os rumores sobre eles bem alimentado, para que as pessoas mantivessem distância. Não queria, não precisava de ninguém na sua órbita. Mas o convite era exatamente a porta de entrada para se reconhecerem e, de certa forma, aquilo o apavorava. "Ah," murmurou sem jeito, antes de concordar com a cabeça, seguindo com a confirmação passando pelos lábios, "claro." O silêncio momentaneo se instalou entre eles antes que ele seguisse. "Acho uma boa ideia a gente conversar," Matteo não costumava mentir e a parte racional dele falava que seria realmente uma boa ideia, mas existia uma voz no fundo da sua mente que se preparava para um desastre. Era quase como se o inocente jantar ativasse as suas respostas primitivas de fuga ou luta.
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Olivia o observou, notando o desconforto dele de forma quase irritante. O jeito como ele levou a mão para a nuca, como se aquilo fosse mais pesado que qualquer treino que ele já tivesse feito, despertou nela uma mistura de impaciência e fascínio. Matteo nunca foi de falar muito, nunca soube se expressar bem, mas, depois de sete anos, parte dela esperava algo mais. Qualquer coisa além daquele "É...". Quando ele finalmente se forçou a dizer que deveria ter ido falar com ela, Olivia sentiu uma pontada de surpresa. Não esperava que ele admitisse aquilo, e menos ainda que demonstrasse a dificuldade que tinha em colocar esse pensamento para fora. Matteo parecia travado, e isso a fez se perguntar se, no fundo, ele não se arrependia tanto quanto ela. Se, depois de todo esse tempo, ele não carregava a mesma incerteza. Mas então ele perguntou aquilo. "Você acredita naquilo?". A pergunta pairou no ar, e Olivia sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Não precisavam nomear. Ambos sabiam do que se tratava. A maldição e a profecia. O motivo para tudo ter desmoronado nos últimos dias. Matteo parecia não conseguir falar claramente sobre aquilo, enquanto Olivia havia anunciado abertamente em praça pública que era uma das reencarnadas; apenas mais um exemplo de como os dois eram diferentes.
Por mais que tentasse racionalizar tudo, por mais que quisesse se convencer de que seus sentimentos na época eram apenas um reflexo da juventude, do desejo, da conveniência... a verdade era que ela se lembrava. Lembrava do instante em que percebeu que tudo havia mudado. Da forma como sentiu seu peito acelerar, não de tesão, mas de algo mais profundo, assustador, visceral. Lembrava do olhar dele sobre ela naquela noite – não apenas desejo, mas algo mais intenso. Do embrulho no estômago tão gostoso que ela desejou sentir aquilo para sempre. Lembrava de como, pela primeira vez, tudo pareceu real. E no dia seguinte, o nojo. A aversão inexplicável. A rejeição que ambos não conseguiram conter. Então, Olivia riu. Um riso curto, quase irônico, mas carregado de algo que nem ela sabia definir. — Eu quero acreditar. E considerando o motivo ridículo pelo qual eu agi daquela forma com você há sete anos... eu acho que faz muito sentido. — Deveria contar para ele sobre o ranço? Não sabia se ele havia sentido o mesmo, tanto a paixão momentânea naquela noite, quanto o asco no dia seguinte. E se ele não a compreendesse e a achasse maluca? Volátil? Nem sabia o que era pior. Talvez o melhor fosse ser tão intensa, aleatória e confiante como Olivia Boscarino era e simplesmente convidá-lo para um encontro, sem muitas explicações. Mas, parte de si, queria colocar as cartas na mesa, e escutar a versão dele, mesmo sabendo que ele, muito possivelmente, não diria muito coisa - ou até nada. Ela suspirou, de olhos fechados, abrindo logo em seguida com pouca coragem para encará-lo, mas o fazendo. — O que acha de conversarmos melhor sobre isso em um jantar? — E lá estava ele, aquele sorriso ridiculamente confiante, como se não estivesse abrindo o coração há segundos. — O Il Giardino abriu as portas para nós, de graça, com um cardápio personalizado. O que acha?
Matteo sustentou o olhar dela por um instante longo demais, os olhos escuros parecendo pesar cada palavra dita. A sinceridade de Scarlet não o surpreendia — ele sempre soube que, para ela, ele era pouco mais que uma lembrança apagada. Mesmo assim, alguma parte dele, pequena e teimosa, se encolheu diante da confirmação crua. Ele passou a língua pelos lábios, num gesto distraído, e soltou um suspiro baixo, quase um riso sem força. A mão subiu até a nuca, bagunçando os cabelos antes alinhados para o sermão. Matteo olhou para o chão, para as rachaduras no cimento, como se ali encontrasse a única resposta verdadeira.
Quando falou, a voz saiu rouca, arranhada pelas coisas que não dizia. "Não muda nada, Scarlet," deu de ombros, mas o movimento era mais pesado do que queria deixar transparecer. "Só achei… que talvez fosse menos insuportável. Pra todo mundo," ergueu o olhar de novo, a expressão cansada, mas havia uma ponta de desafio ali, algo quebrado e orgulhoso demais para se render completamente. Ele estava cansado de todos eles agindo uns contras os outros — não era como se ele quisesse estar naquela situação.
"E não, não tô esperançoso. Nem burro a esse ponto." A boca puxou um sorriso torto, sem humor. Ao contrário do que todos achavam, Matteo não era esse nível de burro — não confiava cegamente naquele grupo. Ele precisava fazer o que podia se quisesse chegar na verdade. "Bem, talvez seja melhor parar de tentar achar lógica nas coisas." Matteo enfiou as mãos nos bolsos da calça, balançando o corpo levemente para trás como se se preparasse para se afastar. Mas ficou parado ali, preso numa linha invisível que ele mesmo não conseguia atravessar.
Matteo sempre foi um rapaz bom, educado, e em algum momento da infância ou adolescência dos dois, não conseguia se lembrar exatamente, a amizade se perdeu. E isso ainda remetia uma sensação estranha para Scarlet, a qual demonstrava isso com o silêncio e a ausência de resposta. E ele tinha razão em uma coisa: estavam realmente no mesmo buraco, todos eles. Matteo não seria o ideal para si caso fosse sua alma gêmea, muito contrário a isso, era uma de suas últimas opções caso acontecesse. - Mais legal? Certo... E isso mudaria algo? Já estamos no fundo do poço. - O questionou com certa sinceridade, e a resposta continuava a mesma em seu subconsciente: não. Mesmo depois que tudo isso acabasse e que cada um descobrisse sua alma gêmea, não via um fim de fato para aquela maldição, ao menos não nessa reencarnação. - Está tão esperançoso assim de que tudo vá dar certo quando isso terminar? Porque sinceramente, não vejo como pessoas como nós todos envolvidos possam ser "alma gêmeas" um do outro.
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VINÍCOLA VILLA GIORDANO
Nico havia dito para encontrá-lo na Villa Giordano no fim da tarde, mas já se passaram dez minutos do horário acordado e nada do seu amigo aparecer. Normalmente, Matteo não bebia muito. O álcool era uma das piores coisas para a sua rotina de treinos, ou para sua mente afobada. Porém, nas atuais circunstâncias, uma taça de vinho, ou mesmo algo mais forte, não lhe soava mal. A pressão de atingir um nível de perfeição com sua aparência não chegava nem perto da pressão de encontrar uma alma gêmea.
Irritado que devia ter levado um bolo, Matteo tentou a última coisa possível e entrou no estabeleciment, se aproximando da hostess, "Oi," Matteo cumprimentou com brevidade, soltando o ar pesarosamente, "eu estou procurando Nico Cagni. Sabe se ele chegou?" A hostess olhou para o tablet com as reservas antes de falar para ele segui-la, levando-o para uma das mesas na parte externa.
Ele olhou ao redor enquanto entravam no recinto e ouvia apontar que não havia curtido o local como merecia. Novamente, se sentiu incrivelmente ciente de como não se encaixava. Não conseguia entender numa forma de curtir o local como merecia. Tudo parecia exarcebar a riqueza dos residentes de Khadel. Matteo não conseguia se identificar com o local. Era como tirar um peixe d'água e esperar que ele nade no ar. Eles foram escoltados até uma das mesas no salão de jantar, mas Matteo quase desejou ter perguntado se poderiam sentar na parte externa. Talvez o ar e a vegetação ao redor o fizesse se sentir menos deslocado, como se pudesse fingir que o encontro não aconteceia naquele restaurante (como se a enorme quantidade de talheres na mesa não denunciasse o problema). O retorno da pergunta não o surpreendeu, mas o fato de ter sido quase retórica sim. Talvez fosse muito ter esperado uma completa trégua. Olivia nunca foi uma pessoa passiva ou que desviava de um desafio, e Matteo poderia ser um grande desafio.
"O que você espera, Olivia?" Matteo perguntou entre um suspiro cansado. Ela estava o colocando num lugar ainda mais desconfortável pressionando-o. Ele estava disposto a passar por cima do seu desconforto, fingir que era inexistente e, talvez em algum momento, ele realmente começasse a acreditar que era. Porém, talvez fosse a atitude dela de que tudo girava ao seu redor, ela não poderia deixar o seu desconforto passar batido. Não sabia se era uma avaliação justa, mas sentia-se como um animal retraído em sua jaula, com a dona forçando-o a sair. "Um sorriso e um pedido de desculpas, e tudo voltaria a ser como era antes?" Ele continuou, com notável dificuldade em colocar as palavras para fora. Seu tom era baixo e ríspido, como quem não gostaria de estar falando coisas do tipo. Não deveriam estar falando dos seus gostos atuais, seus sonhos e desejos? Não deveriam estar vendo se eram um possível par e poderiam se apaixonar? Matteo sabia que antes de tudo eles precisariam falar do passado entre eles, mas teria preferido que ela o tivesse feito sem que ele fosse o alvo da provocação. "Bem, desculpa se eu não sou um dos seus admiradores. Se eu não me desdobro para deixá-la feliz." As palavras haviam saído mais rápido do que conseguiu pensar, tropeçando pelos lábios, mas não se arrependeu no fim. Talvez pudesse ter sido um pouco mais gentil na sua escolha, porém até aquele momento Olivia estava conduzindo toda a situação e ele só estava seguindo, deixando-a guiar como se ele fosse um vira-lata. Ele precisava ter alguma agência também sobre a situação. "Eu vim aqui porque eu concordo que precisamos conversar. Porque eu não sou mais o pirralho de vinte e um anos com medo de encarar algumas coisas." Apesar que agora havia um número de coisas diferentes em que ele preferiria não encarar, mas preferiu não levantar aquele ponto. Tinha certeza que o acontecimento da cachoeira ainda era uma situação com muitas perspectivas, e algumas possivelmente ele não estava pronto para lidar com elas. "Eu não estou confortável. É isso que você queria ouvir?" Ele levantou uma sobrancelha em resposta ao tom de desafio. Com qualquer outra pessoa, Matteo provavelmente não seria tão brusco, mas no fundo ele ainda tinha um sentimento de familiaridade com ela e queria que ela o visse novamente pela pessoa que era e não quem ele fingia ser. Se ela o visse por quem era, talvez aqueles comentários infeliz fossem deixá-do de lado e as farpas não precisariam ser trocadas. "O fato de eu saber que a conversa precisa acontecer não torna nada disso mais... Confortável para mim. Se isso te incomoda, então realmente, a solução é irmos embora," finalmente, ele respirou fundo e soltou um suspiro. "Agora, você está disposta a deixar com que eu lide com meu próprio desconforto sem que isso seja uma preocupação sua ou vamos ter que ir embora?" Agora era a vez dela. Matteo havia tomado a decisão de estar ali. Era uma decisão que o colocava numa posição desconfortável, de vulnerabilidade, mas era a decisão que ele havia tomado e lidaria com ela. Se Liv queria alguém que estivesse ali com um sorriso no rosto e palavras doces... Ela havia escolhido a pessoa errada.
Ela observou Matteo com atenção, captando cada mínimo detalhe. O jeito como ele puxou a gravata de forma discreta, achando que ninguém estava olhando. O cumprimento curto, o sorriso ensaiado — Matteo nunca foi de excessos, e isso não havia mudado. Mas Olivia percebia mais do que ele imaginava. O nervosismo, o desconforto, estavam ali. Ele podia tentar esconder, mas ela ainda se lembrava de algumas de suas táticas. Quando ele disse “vamos”, Olivia sentiu algo dentro de si se contrair. Ele estava ali, mas será que realmente queria estar? Ele parecia distante, fechado em sua própria fortaleza. Por um momento, ela se perguntou se era assim que Matteo se sentia o tempo todo. Perdido dentro de si mesmo. Talvez estivesse tão absorta em manter as aparências de um relacionamento perfeito que não notou as coisas que realmente importavam sobre ele.
Ela respirou fundo e manteve o sorriso, mesmo que tivesse vontade de provocar. Era o que sempre fazia quando se sentia fora de controle — transformava tudo em um jogo. Mas dessa vez, não parecia certo. Dessa vez, Matteo não era só um rosto bonito ou uma distração passageira. Ele era a pessoa que ela não conseguiu esquecer, por mais que tentasse. A pergunta a pegou de surpresa. Não que o conteúdo fosse algo absurdo, mas a tentativa genuína de conversa para preencher o silêncio partindo dele era algo notável. Ela riu baixinho, sem pressa. — Já, sim. Mas vim a trabalho, para gravar e divulgar o restaurante no meu instagram, então não curti como o lugar merece. — Decidiu não dizer em voz alta que também esperava ter um encontro romântico ali, algum dia. E, honestamente, meses atrás quando o restaurante inaugurou, ela jamais imaginou que seria com Matteo, mas estava feliz por sua escolha, e por ele ter aceitado.
Ela inclinou levemente a cabeça, estudando-o. Ele parecia desconfortável naquele lugar, e isso a fez sentir um pequeno aperto no peito. Matteo nunca gostou de estar onde não se encaixava. — Mas e você? — Ela perguntou, suavizando o tom e esboçando um sorriso torto. — Porque, sinceramente, você parece odiar estar aqui. E não sei se é o lugar ou a companhia. — Seu olhar era desafiador, mas não cruel. Apenas honesto. Se ele ia se fechar, Olivia ao menos queria saber se ele teria coragem de admitir. Ela deslizou os dedos pelo próprio braço, uma mania antiga que voltava quando estava pensativa. Matteo sempre foi um mistério para ela, e talvez fosse isso que a fazia querer entender. Será que ele ainda era o mesmo garoto que guardava tudo para si? Ou havia algo nele que ela não via? Olhando para ele agora, Olivia sentia que algo estava diferente. Mas não sabia dizer se era nele… ou nela mesma. — Mas, honestamente, espero que seja o lugar, porque posso tentar fazer algo a respeito. Mas, se for a companhia... Bem, receio não ter uma solução a não ser irmos embora.
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