fios desalinhados , o blazer e a calça em evidente dissonância , brincos com pares trocados — o conjunto desordenado era um reflexo eloquente do estado mental de neslihan após a noite anterior e discussão com christopher . os dedos trêmulos e os olhos inquietos revelavam um turbilhão interno , uma miríade de sentimentos negativos que ameaçavam consumi-la . de alguma maneira teria de encontrar uma forma de exorcizá-los . sua presença no último dos três andares da casa comune era uma tentativa deliberada de aplacar as turbulências , e dedicar-se à produção teatral das crianças do orfanato , tarefa que assumira com zelo ao criar figurinos e cenários , trazia uma centelha de calor que gradualmente dissipava o frio que a envolvia .
imersa em pensamentos e no som dos risos infantis que respondiam aos próprios , percorria o espaço sem perceber os olhares furtivos e os sussurros que a seguiam , até que a voz suave se fez ouvir ao seu lado . a figura de pasqualina provocou uma tensão breve e quase imperceptível em seus ombros , antes que assentisse e seguisse a mais nova até o ambiente ventilado , embora um tanto estreito para acomodar ambas . a notícia sobre o estado da peça trouxe um suspiro carregado de autodepreciação . era esperado daquele dia , que , desatenta tivesse escolhido justamente o artigo com defeito , sem sequer verificar por imperfeições , como era de costume . ❝ levando em consideração o estado da minha cabeça hoje , não ficaria surpresa que outra peça também esteja se desfazendo . ❞ murmurando , exasperada envolveu parte do cabelo com uma das palmas , enquanto tentava oferecer um sorriso brando , embora sem grande convicção .
❝ consegue me ajudar a procurar por mais costuras soltas... lina ? ❞ arriscou utilizar o apelido que ouvira outros mencionarem , numa tentativa de estender um ramo de cordialidade , queria afastar a tensão que parecia reger cada interação entre elas . não sabia explicar o aperto que sentia sempre que os traços quase etéreos de pasqualina surgiam diante de si — ou melhor, sabia, mas recusava-se a tratá-la com a mesma insanidade quando vira a forma como os capel-d’angelo tratavam as opiniões dela . ❝ pensar que provavelmente desfilei por toda a cidade assim desde que saí de casa , e ninguém teve uma centelha de decência de me avisar ! ❞ a noção provocava uma pequena , e incrédula , risada . ❝ esses cucciolottos devem ter se divertido às minhas custas . ❞ entremeou as íris em bom humor . ❝ bem que os achei mais cheios de risos hoje do que o de costume . ❞ o tom carinhoso ao se referir às crianças era evidente , tangendo a afeição que não fazia questão de esconder .
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Os movimentos com a cabeça e os olhares apontando para a calça não foram suficientes. Pasqualina tentava avisar Neslihan de que uma pequena descostura na calça de alfaiataria aumentava a cada passo que ela dava. A peça parecia de marca e muito bem-feita, combinava com o estilo social e altivo da mulher. Lina continuava tentando apontar, discretamente, mas não conseguia atingir seu objetivo.
O murmurinho de algumas pessoas ao redor foi o suficiente para lhe dar incentivar a se aproximar de Neslihan. A postura firme e a voz imponente eram muito bem admiradas à distância, interagir com a mulher não era algo comum para Lina, o que a deixava um pouco fora de sua zona de conforto. Personalidades e intuição à parte, ela sabia que precisava logo dar um trato naquela descostura. Se não o fizesse, logo a advogada estaria expondo partes que deveriam estar bem cobertas.
"Buonasera, com licença, poderia me acompanhar aqui rapidinho?" Cumprimentou a mulher, aproximando-se rapidamente e guiando-a pelo caminho à esquerda. "Where are you taking me?" Pasqualina respondeu enquanto abria bolsa para procurar seu "kit de costura para emergências. "Ao banheiro. A sua calça está com uma pequena descostura, deve ter sido algo pontiagudo que causou isso." Falava no seu tom amistoso, com o sorriso costumeiro nos lábios, mas com menos contato visual do que de costume. "Ia ser meio estranho costurar lá no meio de todo mundo. Hmm, deixa eu ver se tenho uma linha mais próxima dessa cor...Se não, vou dar um jeitinho de improvisar."
por mais que pudesse parecer injusto — e não acreditava que fosse — , ela sempre colocara camilo na mesma redoma habitada por vincenzo ricci , kadir şahverdi e lorenzo d’amato rizzo , assim como fazia com christopher . homens de poder , cuja riqueza era proporcional à disposição e à tendência para o mal , irresponsáveis com as vidas daqueles que orbitavam sua influência . não era uma convicção da qual estivesse ansiosa por se desfazer — ou pior , admitir que estivesse equivocada . não apenas por orgulho , talvez seu maior pecado , mas por princípios . aceitar que poderia estar errada significaria encarar um abismo dentro de si . ainda assim , as palavras dele a atingiram como um golpe no plexo solar , sugando-lhe o fôlego por tempo suficiente para que faíscas brancas se entrelaçassem às feições contrastantes do ricci . o riso dele apenas intensificava a sensação de fraqueza que se alastrava por seus nervos . como ele poderia proferir algo tão essencialmente oposto a tudo o que nela fora instilado desde o nascimento e seguir como se não houvesse invocado décadas de ressentimentos em seu âmago ?
a capacidade que ele possuía de simplesmente persistir , independentemente da curva dos projéteis que a vida lhe lançava , era excepcional . uma habilidade que , secretamente , neslihan invejava . em sua existência , tudo sempre parecia maior , desproporcional , carregando as distorções de uma psique ainda marcada pelas fissuras do abuso . cada frase dele até aquele momento soava meticulosamente arquitetada por uma parte dela à qual apenas ele tivera acesso — a versão de si que mais desprezava , aquela que ainda se deleitava com afirmações positivas dirigidas a ela , um resquício da infância e adolescência , um fragmento do passado , a única faceta que ousava acreditar que finais felizes eram possíveis , mesmo que exigissem enfrentar todas as adversidades do universo . a gökçe arrancaria o próprio coração antes de permitir que os devaneios da sua antiga persona emergissem . subestimá-lo fora um erro , tanto quanto pensar que poderia manter a personagem que moldaram para ser parte da família ricci — ainda que não nos braços daquele ricci à sua frente . pela primeira vez em muito tempo , viu-se encurralada dentro da própria mente , sem direção definida . camilo era o único capaz de desestabilizá-la daquela maneira , e por vezes ele parecia consciente do fato , regozijando-se com um prazer quase insolente .
seus olhos , antes errantes , evitando-o a todo custo , agora pareciam magnetizados , presos ao polo sobre o qual ele detinha total controle . engoliu em seco , deixando que o questionamento passasse por seu ombro como se não tivesse o poder de fazê-la reconsiderar quinze anos de convicções . já a segunda provocação fez com que uma de suas sobrancelhas se arqueasse em curiosidade contida . ❝ poderia fornecer cerca de quarenta mil refeições solidárias , ao menos quinhentas consultas médicas com os devidos medicamentos , plantar uma média de oito mil árvores e salvar centenas de animais . mas essa em específico , ao menos , você já sabe . ❞ a estimativa vinha do que ela mesma realizara além , administrando parte da fortuna deixada em nome de sua mãe , e intrigava-se com a resposta que ele daria . ❝ mas se mudar a vida de uma única pessoa já terá feito mais do que eu espero de você . ❞ não duvidava da capacidade financeira de camilo , mas questionava sua disposição moral para tal feito . talvez soubesse que duvidar dele fosse o caminho mais certeiro para provocá-lo a provar o contrário , mas guardava a percepção para si , um sorriso discreto curvando os lábios .
❝ jamais me satisfiz com pouco , camilo . apenas escolho quando me deleitar com o que realmente desejo . se me entregasse ao que verdadeiramente me sustenta todos os dias , tudo se tornaria fácil demais… e eu gosto de desafios . ❞ as íris acompanhavam os movimentos alheios , observando-o sorver o líquido carmesim , e , no fundo do próprio paladar , quase podia sentir o aroma intenso do vinho . seu sorriso espelhou o dele , os olhos brilhando com um humor depreciativo diante do tom masculino . ❝ agora , elas , sim, se contentam com tão pouco . são todas tão facilmente impressionadas que um sorriso e palavras vazias bastam para conquistá-las ? ❞ neslihan compreendia perfeitamente a insinuação do ricci , mas não daria a ele o gosto de reconhecê-la , seria um caminho sem volta em mais de um sentido . já preparada anteriormente para o efeito que a comparação entre subserviência e polidez — que ele supostamente não compartilhava — , tomou apenas meia respiração , solevando uma das sobrancelhas . ❝ hm . achei que você preferisse suas companhias maleáveis exatamente para fazer o que quiser com elas . devo ter perdido esse memorando em específico . ❞ àquela altura , qualquer pretensão de submissão havia evaporado no ar carregado entre eles . ❝ o que você realmente quer ? ❞ um pequeno riso escapou . ❝ por que não dizer com todas as palavras ? quem sabe , sendo você o gentil , não consiga o que deseja de maneira mais fácil ? afinal , falam que se pega mais abelhas com mel do que com vinagre . ❞ o ditado não era um o qual acreditava , mas talvez fosse o motivo da distância ácida que insistia em colocar entre eles . não desejava estar presa à doce armadilha de camilo ricci .
o aroma de manjericão mesclado ao vinagre balsâmico, ao pecorino e ao pistache invadiu-lhe o olfato , interrompendo seus pensamentos . aceitou as entradas com um sorriso em agradecimento ao cameriere , antes de elevar a taça aos lábios e saborear o grand cru . um suspiro prazeroso sutil escapou , enquanto seus olhos voltavam ao homem à sua frente . uma pequena risada rompeu sua hesitação . se já estava na chuva , por que não se molhar ? talvez fosse a frase que ainda perambulava entre os tímpanos que recobrava memórias da adolescência , ou a atmosfera envolvente de velas , flores e pratos elaborados que a embriagava , mas sua resposta vinha quase automaticamente , surpreendendo-a pela franqueza . ela percebia o jogo dele . camilo sempre a colocava como adversária apenas para , no final , reivindicar sua vitória e cobrar um prêmio . e , embora o permitisse isso na maioria das vezes , ali a cautela lhe serviria melhor . ❝ passei por uma fase… delicada na adolescência . estive envolvida em um acidente que me fez repensar a vida por inteiro e , naquele dia , ao acordar em um hospital sem saber o que havia causado , escrevi uma carta para minha mãe . nela , supliquei para que fôssemos embora de khadel e deixássemos tudo para trás , mas nunca tive coragem de entregá-la , e… depois , já era tarde demais . ❞
a confissão era um lapso de sua fachada meticulosamente construída , e teria certeza de não cometer outro deslize . levando uma fatia de mozzarella envolta em pesto aos lábios , pausou antes de devolver a pergunta com naturalidade , como se suas palavras não carregassem o peso de uma cicatriz . ❝ há algo que ainda não tenha exposto para toda a cidade e que apenas eu teria o privilégio de saber ? ❞ não esperava que ele se tornasse vulnerável a ponto de revelar algo significativo , mas manter a conversa fluindo era o mínimo . ❝ e já que insiste em transformar isso em um encontro… diga-me , qual foi a última vez que alguém — ou algo — realmente te surpreendeu ? ❞
camilo era mais observador do que poderia transparecer. ou talvez apenas era bom em ler as pessoas, estivesse ele se esforçando ou não. de certo era uma resposta natural à certos traumas, embora ele próprio nunca tivesse feito tal conexão. crescer em um lar disfuncional, com um pai completamente desequilibrado e frequentemente violento o fizera aprender a interpretar os pequenos sinais, a estar alerta aos padrões e as mudanças destes. o que havia começado como um mecanismo de defesa passou a ser útil para conquistar o que quisesse, de quem quisesse. dinheiro era um facilitador inegável, mas o carisma e a compreensão da natureza humana o levava além. entender as pessoas fazia com que ele soubesse exatamente o que dizer ou fazer para que as coisas pendessem para o seu lado da balança. por isso se divertia tanto nos momentos em que interagia com neslihan. tudo na postura dura e poderosa da mulher era sincero, e ainda sim, em pequenos - quase imperceptíveis - momentos daquela dinâmica dos dois, ele podia ver fragmentos que deixavam claro que ele a atingia de alguma forma (além da irritação). sabia que entre uma provocação ou outra sua, incitava nela interesse o suficiente para que aquele jogo continuasse. com aposta ou não, neslihan provavelmente não se submeteria a algo que ela fosse completamente contra. era por isso que para camilo, a vitória não era apenas o fato da mulher estar diante de si naquele encontro, mas de ter permitido que tudo aquilo se desenrolasse até aquele ponto.
e agora lá estava ela, aqueles pequenos padrões que ricci já havia notado antes parecendo um tanto quanto... conturbados. e não apenas pela gentileza forçada que a gökçe precisava lhe conceder. estava acostumado a vê-la lutar contra a atração sexual que existia entre eles, mas o nervosismo que demonstrava parecia motivado por outra coisa. não se atreveria a dizer que sabia o motivo, mas se precisasse tentar adivinhar, talvez pudesse ter algo a ver com a história recente das almas gêmeas. não importava, no final das contas. camilo não achava que aquela história era real, e mesmo se fosse, não imaginaria que se aplicaria a eles. certamente neshilan partilhava da mesma opinião.
e então, ela estava de volta. ele sorriu. continuava divertido vê-la lutar para manter a gentileza, mas o fato era que ele gostava mesmo era da rispidez comum que ela demonstrava. o que podia dizer? adorava quando ela o maltratava. "sabe que na aposta, eu pedi que fosse gentil, e não passiva." havia uma diferença destacável. "ou você acha que eu considero que uma mulher educada é uma mulher que concorde com tudo o que eu digo?" ele riu, inclinando-se ligeiramente para frente, o sorriso em seu rosto deixando mais do que claro que ele estava entretido. sabia que haviam outros casais naquela noite, mas não se deu ao trabalho de prestar atenção em quem havia chegado. os olhos estavam fixos na mulher diante de si. "quantas?" perguntou então, voltando a recostar-se na cadeira. "diga um número, e eu faço. mudar vidas, isto é" não exatamente por benfeitoria, mas simplesmente porque ele podia. e se ela quisesse... bem, sinceramente? o faria justamente por aquele motivo.
a frase contendo a doçura insípida não falhou em lhe satisfazer, porque sabia que era verdade, por baixo do tom forçado - ele parecia estar causando algum efeito diferente nela. já a outra frase quase o fizera revirar os olhos, especialmente pelo sorrisinho alheio. "eu vi." assentiu diante da constatação da outra, a respeito do nível dos encontros de khadel. "sinceramente, me surpreende que uma mulher como você se contente com pouco." o idiota do karaokê lhe vinha na mente, mas a situação o fazia presumir que ela talvez abaixasse os padrões vez ou outra como naquela noite. um absurdo, considerando de quem se tratava. o garçom se aproximou com o vinho e camilo prontamente o degustou, aprovando e aguardando que ambas as taças fossem preenchidas. ele observou o líquido de cor forte antes de voltar a atenção a ela. "pelo contrário. estou bastante acostumado a ter mulheres gostando de tudo o que eu faço com a minha boca." ele sorriu, descarado. "por isso gosto de você. da sua honestidade, no caso. é claro que você está tendo alguma dificuldade de separar grosseria de franqueza, porque claramente está pensando que eu queria que agisse como uma boneca sem opiniões na noite de hoje, mas acredito que até o final do jantar você vai entender o que eu realmente quero." tão logo a entrada foi oferecida, mas camilo não deu muita atenção ao trabalhador, apenas agradecendo brevemente após ter os pratos dispostos na mesa sem virar o rosto em sua direção. "bem, isso é um encontro, certo? e já que você está tão disposta a se submeter aos meus caprichos, por que não fazemos isso direito? devemos nos conhecer, já que é para isso que servem essas ocasiões" não era como se ele tivesse um interesse verdadeiramente romântico (ou ele próprio estivesse disposto a falar muito sobre si mesmo), mas ficaria muito mais fácil levá-la para a cama se a conhecesse melhor. para além disso, ela simplesmente despertava nele muita curiosidade mesmo. "diga algo sobre você que ninguém mais sabe." pediu, sabendo que a frase havia sido vaga o suficiente para que ela compartilhasse o detalhe mais irrelevante, se assim o quisesse.
o vínculo entre neslihan e aaron poderia ser comparado ao eterno jogo de ação e reação entre o sol e a lua. tão distintos em essência , compartilhando o céu apenas nos breves instantes de aurora e crepúsculo , coexistindo em uma dança que , embora incompreensível para olhos alheios , é indispensável. mesmo ela , se questionada , teria dificuldade em definir a complexidade da relação ; apenas sabia que funcionava – e há muito. a presença ranzinza era , paradoxalmente , um bálsamo de familiaridade , uma constante tão intrínseca que a falta de energia contagiante dele , em contraste ao frenesi natural que percorria suas veias , mal se registrava. ❝ eu até poderia sugerir que você tentasse adivinhar , mas honestamente , não creio que seu cérebro esteja em plena capacidade no momento. ❞ as palavras , proferidas com humor, eram acompanhadas de um piscar divertido, enquanto os olhos castanhos brilhavam. ❝ então… dois pacientes da ala psiquiátrica de siena – ou de volterra , quem sabe ? – decidiram acordar a cidade proclamando aos quatro ventos que… veja bem… estão apaixonados. e que a “maldição” foi quebrada ! ❞ o gesto das aspas enfatizadas pelos dedos foi pontuado por um tom de escárnio que transbordava descrença. ❝ consegue acreditar nisso ? francamente , a humanidade nunca deixa de me impressionar com o talento inigualável para a estupidez. ❞ enquanto tamborilava as unhas pintadas de vermelho cereja sobre o menu , saboreou outro gole do líquido quente à sua frente. ❝ será que eu te choquei a ponto de nem pedir o de sempre ? ❞ permitiu que uma breve sombra de preocupação transparecesse antes de um sorriso retornar aos seu lábios.
"Duas, três...não sei", murmurou baixinho, meio sem ânimo, enquanto passava o olhar pelo cardápio já decorado. Ele coçou a testa, bem acima da sobrancelha esquerda, diante da pergunta da amiga sobre o jornal. "Hum...não. O que foi dessa vez?". De um modo geral, ele tentava se manter alheio às fofocas da cidade, mas algumas eram tão grandes, que não tinha para onde fugir. E, diante do tom da amiga, aquela parecia uma das que realmente não poderia ignorar. Por isso, deixou o cardápio de lado e se inclinou na direção dela, apoiando os braços na mesa. "Okay, Nes, shoot! I'm ready".
o desconforto os envolvia com a mesma intensidade dos acordes vibrantes que ecoavam à medida que se aproximavam das imponentes portas de vidro pivotantes . ❝ verdade , mas você quase nunca contou com a minha determinação nessas circunstâncias. ❞ a gökçe era capaz de tudo para não se permitir vulnerabilidades ou se colocar em situações em que não pudesse exercer qualquer módico de controle . não que dançar com aaron caracterizava algo naquelas linhas — já haviam sido pares inúmeras vezes nas recepções da família durante a adolescência — , tampouco o desafio de um ritmo latino complexo , cujos passos exigiam uma maestria improvável para ambos , era o verdadeiro problema . o que realmente a inquietava eram os olhos atentos e os sussurros que os acompanhariam se qualquer passo em falso entre eles decorresse . ela já os havia enfrentado com os nervos por um fio anteriormente com christopher , expostos como estavam no coreto . dado o receio de se expor daquela maneira , seria intrigante conciliar a relutância com a postura de uma advogada bem-sucedida , habituada a enfrentar olhares e julgamentos enquanto defendia suas convicções com destemor . a diferença crucial estava na natureza da atenção que recebia , no tribunal , era a profissional sendo avaliada . ali era sua vida pessoal sob escrutínio — um aspecto que sempre zelara em preservar sob sete chaves , ainda que em khadel , o esforço para tal era uma tarefa quase hercúlea .
com um breve aceno , cedia ao inevitável . pelo entusiasmo que já percebia nos rostos dos instrutores que os aguardavam , estava claro que teriam ao menos que tentar . porém , a pergunta a fez interromper o passo antes de atravessarem o limiar do que parecia ser um vórtice , prestes a lançá-los no olho da tempestade . ❝ não sei se você subestima minha racionalidade ou superestima minha irracionalidade . mas… bem , não me dei ao luxo de cogitar que tudo isso possa ser real . ❞ não depois de já ter se ferido o suficiente para permitir que sua mente vagueasse por essa possibilidade mais uma vez . suspirou , desta vez com um peso diferente , mais denso que a mera exasperação anterior , os ombros antes impecavelmente erguidos cedendo sutilmente à gravidade do pensamento . ❝ sei exatamente o que quer dizer , mas se tudo for verdade e eu estiver equivocada no meu ceticismo , o universo fazendo de mim uma ironia cósmica , você sabe que almas gêmeas não precisam , necessariamente , ser amantes , não sabe ? ❞ se o amor era algo real e tangível , se era , de fato , necessário , neslihan acreditava que ele poderia se manifestar de formas distintas além da romântica . se essa era uma brecha nas palavras da maldição , por mais remota que fosse , talvez houvesse espaço para um afeto platônico. ❝ e eu sinceramente gostaria de não me sentir ofendida pelo fato de você considerar assustadora a possibilidade . seríamos imensamente felizes pelo resto de nossas vidas . ❞ a declaração era entrelaçada com humor , e , no fundo , ela acreditava poder ser uma verdade .
Aaron expirou lentamente, sem se dar ao trabalho de esconder o ceticismo com toda aquela situação. Mas não era um ceticismo total, claro, já que ele fazia um esforço de estar ali e realmente estava começando a ficar engajado em toda aquela história de "encontrar a alma gêmea". Observou o estúdio à sua frente, a música animada que escapava pelas frestas da porta, e depois olhou para Nes, que parecia muito mais resignada do que deveria estar. "Se essa fosse uma solução viável, eu já teria tentado em várias outras situações da minha vida." Ele permitiu que ela entrelaçasse o braço no dele, sem protesto, mas ainda visivelmente um tanto desconfortável. Ainda que tivessem dançado inúmeras vezes ao longo da vida, achava um pouco estranho considerar aquilo no contexto do encontro. "Infelizmente, acho que vamos ter que dançar de verdade." Aaron não era exatamente descoordenado, mas também nunca havia se colocado na posição de alguém que dançava salsa – e muito menos em um contexto em que a cidade inteira torcia para que aquilo fosse um passo em direção à sua alma gêmea. Ele lançou um olhar de canto para Nes, ainda contemplando a ideia absurda. "Você já pensou nisso?" perguntou, casual, mas com algo mais na voz. "Se essa coisa toda estiver certa, e a gente for, de fato, compatível?" Foi a vez dele de soltar um sorriso discreto – um que não se espalhou completamente pelo rosto. "Não sei se fico aliviado ou assustado. Você entende o que quero dizer, não entende?" Riu um pouco, pelo inesperado da situação.
FUBAR 1.05
look, i'm planted here, okay? what're you gonna do about it?
i love unhinged women but i also love women who try so fucking hard to be hinged. clinging to those hinges by her fingernails.
* aqui se encontram conexões estabelecidas para a militante e os demais habitantes de khadel !
a estrela de cinema - tbd !
a filha do pastor - um misto de frustração e compaixão define o modo como neslihan enxerga lina. projetando feridas antigas na mais nova , colocou como missão abrir os olhos da mesma para o que pode estar ocorrendo sem que tenha conhecimento. é uma troca um tanto tensa , principalmente após presenciar a forma como os capel-d'angelo a pressionam mentalmente !
a garota problema - um soluço do destino fez com que neslihan e vivianne se encontrassem em milão antes mesmo que qualquer menção do envolvimento da loira com a suposta quebra da maldição. os dois polos do caos se conheceram em uma manifestação , e com ajuda mútua conseguiram safar-se de uma viagem às celas , a presença de uma pela simples necessidade da insanidade e da outra pelos seus princípios. a presença repentina de vi na idílica cidade veio seguida de surpresa , após , breve satisfação , seguida de completo arrependimento ao trabalharem juntas. ainda que compartilhem pontos , a incapacidade de comprometimento da nova moradora de khadel é combustível para os pequenos desentendimentos e frustrações tbd !
a menina malvada - um laço que transcende o simples conceito de amizade , neslihan tem a certeza que ela e geaziella compartilharam a cumplicidade em outras encarnações. respeito e companheirismo mútuos que datam da infância em comum , ainda que salpicados por momentos de diferenças , inquebráveis pelo tempo e provações. foi na propriedade dos martinez-giordano que ficou , às custas do relacionamento da amiga com o próprio pai , quando vergonha e falta de esperança a assolaram ao ser deserdada. com a maioridade tentaram seguir uma vida longe das pressões de khadel , um fracasso , com ambas retornando à cidade em um ponto ou outro. confidentes e inseparáveis , se apoiam e se defendem , mesmo que em não concordância , nes seria capaz de matar por grazi , e pelos que essa tem em seu coração !
a musa do verão - um muro intrincado separa a complexidade entre neslihan e olivia. uma amizade antiga , despedaçada pela influência de suas famílias e terríveis circunstâncias , que luta para manter os resquícios de calor. lembranças as regem , fazendo dos diminutos pedaços que sobraram do passado suficientes para manterem uma conexão viva. próximas , nada como a cumplicidade adolescente , podem ficar semanas sem uma ter notícias da outra , mas quando se encontram a familiaridade as inunda , conversas fluem até o momento em que os assuntos que permeiam a distância entre elas veem à tona , então a tensão as consome e a chama motriz para o sentimento perde o seu brilho !
o crossfiteiro - tbd !
o lobo solitário - um bálsamo , aaron é uma força sólida e constante na vida de neslihan. o início da conexão é um tanto anuviado , não se recorda do exato momento , mas a admiração de então pelo intelecto alheio e a capacidade em simplesmente demonstrar como é , sem a sombra de represálias pairando sobre si , ainda permanece. como sol e lua , em energias opostas , a amizade sem regras , sem cobranças , é ponto de apoio incondicional em meio ao fluente sarcasmo e ações que demonstram preocupação e carinho para além de meras palavras. o mal humor masculino é equilibrado pela energia incessante feminina , que encontram um no outro aceitação e hábitos que já se tornaram rituais !
o playboy - um paradoxo rege as interações de neslihan e camilo. o mais velho representa , e age , o oposto de quase tudo o que a mulher defende , com a exceção do amor por animais. o pequeno detalhe é suficiente para que ela reserve as demais características em seu subconsciente e permita-se humorizá-lo vez ou outra. ainda que ele tenha o físico quase perfeito , a psique do ricci a mantém firmemente em sua convicção de que ele não vale um segundo a mais do que o necessário de seu tempo , mesmo que as provocações e tentativas de sedução tragam alívio cômico em sua vida e , por vezes , o considere digno de redenção !
o último romântico - um verdadeiro pandemônio resume a forma como neslihan e christopher interagem. duas faces da mesma moeda , são opostos complementares , que projetam um no outro os piores traços que carregam e compartilham. arrogantes , orgulhosos , intensos e teimosos , tinham familiaridade e proximidade na adolescência , ao ponto de reconhecer , e admirar , a capacidade artística alheia , mas tudo mudou com o retorno de ambos à khadel. até então a cidade não era pequena demais para conter o ego de um rizzo e uma antiga şahverdi , a não ser que colocados de lados opostos em um embate jurídico. a vitória masculina trouxe à tona fantasmas do passado feminino , que ainda a assombram , e junto a noção de alguém sem princípios , sem escrúpulos e capaz de fazer tudo o que é mandando para não ter que encarar o próprio vazio !
@khdpontos
o riso veio fácil , dançando nas íris que tremeluziam com humor diante da ênfase teatral e da encenação exagerada da amiga . ❝ ah , não há necessidade de tanta possessividade , vita mia . sabe bem que , neste mundo inteiro , meus olhos pertencem apenas a você . ❞ se afastando sutilmente da mulher , manteve a conexão dos braços , antes de retornar a atenção à recepcionista com um tom conspiratório . ❝ ela anda um tanto territorialista com esses rumores recentes de que somos duas das reencarnadas e precisamos encontrar nossas almas gêmeas… quando , na verdade , já temos uma à outra . ❞ com uma piscadela divertida , voltou a se acomodar ao lado da giordano . ❝ seu desejo hoje é uma ordem . dois dos seus melhores massagiatores , um para mim e outro para a mulher mais deslumbrante da minha vida . ❞ os roupões felpudos , tão macios quanto nuvens , surgiram quase como por encanto, os tomando em mãos , ofereceu um à mais velha antes de se dirigirem aos biombos . assim que envolta na suavidade do roupão , neslihan já podia sentir os nódulos em seus músculos começarem a se desfazer apenas pela confluência dos óleos essenciais que pairava no ar . ao deixar a repartição com uma longa e relaxante respiração , seus olhos captaram de imediato as duas figuras masculinas que as aguardavam . buscando pelo olhar de graziella , encontrou nele a mesma expressão de apreciação estampada em seu próprio rosto. ❝ você não poderia ter escolhido melhor . ❞ com uma risada baixa e satisfeita , seguiu até a maca , deslizando o roupão até a cintura ao se cobrir com o lençol . ❝ os sacrifícios que não faço por você , dolcezza . ❞
Olhar para os dois em sua cama, lhe dava uma sensação inexplicável de paz, como se tudo estivesse certo somente com ambos ali. Os braços cruzaram debaixo do peito como se estivesse avaliando suas opções. Não queria passar o dia longe do filho, mas não podia negar que um dia no spa seria ótimo com os últimos estresses que andava tendo. Com o salto da bota, se aproximou da cama, puxando Romeo pelas pernas até a borda do colchão e se agachou na frente dele, sentindo as mãoszinhas tocarem seu rosto enquanto as dela abraçavam a cintura pequena. "Eu vou até o studio com a tia Nes e você espera a gente aqui, tudo bem?" Viu ele assentir empolgado, fazendo um carinho pequeno em seu rosto. " 'Vo fazer um desenho pra você, mamma." A vozinha de criança respondeu, fazendo Graziella se inclinar para deixar um beijo demorado no meio da testa alheia, sentindo toda aquela mistura de sentimentos negativos e positivos quando se tratava do filho. Ficou de pé rapidamente, levando ele até a Ginevra e explicando sua agenda do dia e então virou para a melhor amiga. "Agora sou toda sua."
Já no spa, não hesitou em entrelaçar os braços com a amiga a fim de entrarem no espaço. A pequena menção a Olivia fez com que a italiana revirasse os olhos mas resolveu não comentar, afinal, era seu dia e não queria perder tempo com assuntos - e pessoas - irrelevantes em sua vida. A risada chegou até seus lábios com as palavras de Neslihan, mas segurou ao olhar para seu encontro, por um tempo antes de responder. "Quero um profissional, por favor." Por mais que fosse divertido fazer massagem na amiga, Graziella tinha certeza não saberia fazer igual a quem realmente trabalha com aquilo. "Homens, se possível. Não quero mulheres tocando no corpo dela." Disse olhando para Nes, deixando que todo o ciúme teatral transparecesse nos olhos verdes. Se era para brincar, que fosse fazendo direito.
münevven şahverdi , née gökçe ( 1973 - 2019 ) , mother , birce akalay !
kadir şahverdi ( 1967 ) , father , kenan imirzalıoğlu !
neslihan şahverdi gökçe ( 1995 ) , daughter , the activist , hande erçel !
@khdpontos
toda aquela troca animosa entre eles gerava em si sentimentos que não se orgulhava . christopher era capaz de desmantelar a estrutura milimetricamente composta da sua civilidade , e não da forma como camilo o fazia com provocações incessantes . a reposta que o loiro obtinha era visceral , instintiva , acre em sua raiz e degenerada em extensão . não era natural a forma com que um simples olhar alheio era capaz de gerar tamanho asco , não para si . o motivo , no entanto , era nítido em suas convicções , e acreditava que nem mesmo para salvar a própria alma seria capaz de enxergá-lo por outro viés que não a ótica turva e enrijecida . os ombros curvavam-se novamente a cada palavra que escapava no tom plácido , como uma cobra enrolando contra o próprio centro ao preparar-se para um bote . os demônios que habitavam uma parte crua e descontrolada de si , acordando do estupor que ela insistia em colocá-los . afundando as unhas na bancada pegajosa até que o eco de dor fosse suficiente para perfurar a nuvem viperina que ofuscava seu senso , replicou o riso vazio , cansada .
❝ eu afirmei que você é uma fraude , não uma fraude incompetente . ❞ o gesto de indiferença com o corpo era despreocupado , não traindo inquietação alguma . ❝ você não faz ideia do que a sua vitória custou . não a mim , eu sou capaz de lidar com minhas frustrações , mas aos que perderam para um homem vil , corrupto e com influência suficiente para comprar juízes e jures e sair impune de um crime que nós dois sabemos que ele cometeu . ❞ a insinuação de que o caso havia sido ganho às custas de subornos era intencional , não que ela realmente acreditasse nas palavras . atribuía a derrota , em parte , ao impecável trabalho paterno de encobrir todo , e qualquer , vestígio de evidências concretas o bastante para montar um caso sólido , e , em parte , às próprias emoções em relação ao homem , nocivas e cegantes . suficientes para fazê-la pensar que algo capaz de abalá-lo fosse tão simples . ❝ mas não espero algo diferente vindo de você . ❞ não se importava com o motivo para o outro seguir às cegas o comando do próprio pai , sabia que era impossível ele defender indivíduos como kadir şahverdi e permanecer inocente .
com a citação pedante de filósofos , a morena apenas meneou os fios de maneira cética , a expressão fleumática cedendo sob a pressão de um sorriso sardônico . ❝ tudo isso e , ainda assim , não é capaz de responder a um simples questionamento que poderia ter sido ilustrado por uma criança . ❞ circulando os dedos pela borda no copo , agora contendo apenas uma fina fatia de laranja , era uma tentativa de refrear as reações físicas ante o humor que o enchia ao analisar suas palavras . ele chegava a conclusões fundadas na forma que ele escolhia observá-la , uma análoga à sua em relação a ele , ainda que a sua tivesse sido construída com base em precedentes e não meras suposições regadas por pura arrogância masculina .
❝ cuidado , christopher , parece que você está projetando o que acha de si mesmo em mim . o que , francamente , é fascinante . ❞ a fala alheia , de maneira sinistra , ecoava quase verbatim o que ela pensava sobre ele . ❝ não , não uma deusa , embora o pensamento seja lisonjeiro . apenas alguém que reconhece o que há de errado nesse mundo , e , felizmente , faz o que está ao seu alcance para remediar o possível . ❞ o sorriso era quase sacarino , embora mesclasse com a peçonha em sua língua . ❝ oh , não . eu sei que sou cheia de falhas , e entre a maior delas está ceder meu tempo e intelecto a discussões com pessoas como você . ❞ neslihan não julgava-se perfeita , pelo contrário . encontrava mais erros em si do que em qualquer outro ser humano , e flagelava-se por tal , não que ele jamais pudesse cogitar a possibilidade . já sua natureza controladora advinha da aceitação de sua forma maculada e imperfeita , era a única maneira que encontrara de conseguir garantir que o passado não se repetisse e se entregasse aos caprichos de uma psique fragilizada . o riso que escapava por entre os dentes era quase inaudível ao fixar as íris às dele . ❝ realmente quer falar sobre a minha moral ser duvidosa , quando você está envolvido até a cabeça com corporações que sugam a alma da humanidade ? ❞
era impressionante a maneira como ele provava a cada segundo as contradições que o regiam . como ele era capaz de conviver com tamanha hipocrisia o conduzindo , era algo que ela analisaria com admiração , não fosse preocupante . ❝ como você parece ter a certeza de que me escondo de tudo e todos é surpreendente . ❞ apoiando o queixo contra a palma destra que se sustentava no balcão , solevou uma das sobrancelhas em escárnio ao encará-lo completamente . ❝ você verdadeiramente acha que sabe quem eu sou , não acha ? ❞ cruzando uma perna sobre a outra , continuou . ❝ quem realmente me conhece , também , pasme , sabe de cada detalhe sobre mim . assim como qualquer outra pessoa . ou a sua prepotência é tão grande ao ponto de achar que somente você possui verdadeiros amigos ? ❞ reproduziu o tom que inferia a ausência dele em seu círculo de proximidade , e ela agradecia aos cosmos por tamanha clemência .
verdadeiramente exaurida , as palavras trocadas , aliadas à negatividade que a todo custo tentava conter em cada uma de suas sentenças e gestos calculados , a esgotavam . e apesar da calmaria que se apossava de seus músculos , as veias zuniam em sua têmpora com o esforço de manter-se sob o véu da polidez social . se pudesse , as mãos já estariam envoltas no pescoço alheio , sentindo o pulso vigoroso se esvair com os segundos . o pensamento era elucidante da real deterioração do seu estado mental e ao percebê-lo depositando as notas no balcão , puxou a própria carteira da bolsa , descruzando as pernas . deixando os euros flutuarem brevemente até encontrarem a madeira , os ofereceu ao bartender com um sorriso suave e uma piscadela de agradecimento . levantando-se , recolheu as peças descartadas que compunham seu guarda roupa , antes de ousar um último visual do rizzo . ❝ não é troco , chama-se gorjeta , e é uma prática comum na sociedade . ❞ deu as costas antes que ele o pudesse fazer primeiro . tomando profundas respirações , exclamou sem olhá-lo antes de desaparecer do campo de visão masculino. ❝ saúde ! que você continue exatamente como é , será garantia suficiente de que morrerá sozinho . ❞
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A palavra fraude repetia em sua mente como um eco distante, fazendo com que um riso sem qualquer traço de humor escapasse por seus lábios. Mal sabia ela que outra carreira era tudo o que ele quis desde quando aprendeu a ler. No entanto, ela não estava errada sobre sua capacidade de ler as pessoas, Christopher era realmente bom em reconhecer comportamentos e em perceber detalhes que na grande maioria das vezes escapavam dos olhos da grande maioria. Sua capacidade de se colocar tanto na pele dos clientes que recebia como na pele daqueles que enfrentaria em um tribunal era justamente o que o tornava um advogado acima da média e também o que fazia ele ter ainda mais raiva da profissão que exercia. Ser um advogado exigia que ele fosse imparcial e ser imparcial, na grande maioria das vezes, exigia ir contra tudo o que ele acreditava. Neslihan não sabia, mas vencê-la no tribunal não havia trazido nenhum bem-estar pessoal para Christopher que sabia muito bem o tipo de pessoa que o pai dela era. No entanto, seu fracasso implicava em uma perturbação da tênue linha de paz entre ele e o pai, o que por sua vez poderia resultar em estresses para a mãe, e isso era algo que ele não arriscaria, mesmo que significasse ter de lidar com a miséria causada pela vitória depois. Talvez se ela o tivesse chamado de hipócrita, ele ficaria mais tentado a concordar com ela.
"Bom, se você acredita que eu sou uma fraude, talvez devesse olhar para si mesma, já que sabemos quem acabou levando a melhor no último embate." A máscara de tranquilidade mantinha-se intacta, enquanto ele a ouvia recitar vários de seus autores favoritos. "Miserável, imperfeito, assim é o mundo e o mais perfeito de seus fenômenos, o homem." Citou Schopenhauer, um dos autores que costumava ler em momentos não muito bons, mas que o pessimismo do mesmo em relação a humanidade muitas vezes ia de encontro ao próprio estado de espírito. "O ser humano é como uma folha em branco." Agora foi a vez de Locke, que o fez sorrir brevemente. "Todos os seres humanos são falhos, incompletos, mas ainda sim dotados de capacidade cognitiva para trilhar o próprio caminho, escrever sua própria história e com um senso do que é certo e errado que, por n motivos, pode não ser igual para todos. Por isso que podem haver conhecimentos similares, mas que foram adquiridos e interpretados de diferentes formas." Disse em um tom neutro, como se toda a irritação do momento houvesse desaparecido. " Você assume que eu nunca senti o amor porquê você não o sentiu, o que de certa forma não me surpreende, já que é mais do que nítido o tipo de sentimentos que possuem lugar na sua vida." Pela primeira vez, os olhos encontraram os dela, notando ali o mesmo tipo de incômodo que sentia. Quase sorriu de satisfação. "Enfim, tudo isso pra te dizer que eu não saber dar uma descrição exata não é advento da ausência do amor na minha vida, e sim porque existem tantas formas e maneiras de falar sobre ele, que se torna impossível colocar tudo em uma única resposta." No fundo ele sabia que sua resposta havia sido um tanto quanto vaga, mas acreditava o suficiente no que havia dito para soar completamente convincente.
A risada que seguiu após a fala dela, dessa vez, foi mais alta e carregada de um divertimento genuíno. "Fala sério, você consegue se ouvir?" Perguntou, sua expressão claramente incrédula. "Pra alguém que se diz tão cheia de virtudes e boas intenções, bastou um instante para se provar a pessoa hipócrita e arrogante que você realmente é." Tornou a dar risada. "Moralmente inferiores a mim. " Christopher repetiu a fala dela entre risos. "E quem diabos você é pra se julgar superior a alguém? Uma deusa? Uma inteligência artificial? Você é tão cheia de falhas como qualquer pessoa, só que se enfia em um mundo onde finge não existem porque no fim das contas você é tão controladora que só de pensar em perder um pouco do controle sobre essa máscara de perfeição que veste com tanto orgulho já é mais do que suficiente para te deixar desesperada." Ele balançou a cabeça para os lados levemente. "Sua moral é tão duvidosa quanto a de qualquer outro ser humano, só difere o fato de que você não é capaz de aceitar isso."
Um riso soprado saiu por seus lábios e a mão tornou a circular o copo que mais uma vez foi de encontro aos lábios e só voltou para a mesa após ele sorver todo seu conteúdo. Achava cômico que ela tentasse atingi-lo o chamando de monstro, afinal, ele mesmo pensava coisas bem piores sobre si mesmo. Christopher gostava de se definir como uma pessoa consiente, que sabia suas qualidades e defeitos e lutava constantemente contras as partes ruins afim de atingir um amadurecimento pessoal. No entanto, as vezes era difícil se ater ao processo de melhora, especialmente quando já não sentia nem um respingo de paciência em si. "Diferentemente de você, eu não escondo quem eu sou de verdade, ao menos, as pessoas que realmente - a ênfase na palavra deixava claro que ela não participava desse grupo de pessoas - me conhecem, sabem tudo ao meu respeito." Ergueu levemente os ombros, como se a fala dela não o tivesse afetado em nada, mas na verdade sentia como se seu sangue estivesse borbulhando.
"E que ela te traga um pingo de humildade, pra ver se talvez um pouco dessa amargura desapareça." Respondeu de forma sarcástica enquanto negava que o atendendente colocasse mais uma dose. Sem perguntar o quanto havia gastado, colocou a mão do bolso de puxou algumas notas que carregava consigo. O valor posto sobre a mesa provavelmente cobria a conta dele, dela e de mais umas três pessoas sobre a bancada. "Pode ficar com o troco. Mais do que merecido por ter que suportar um certo tipo de clientela." Claro que não se referia apenas a Neslihan, mas não se alongaria. Em seguida, se preparava para deixar o local antes que a conversa entre os dois desse seguimento.
𝒕𝒉𝒆 𝒂𝒄𝒕𝒊𝒗𝒊𝒔𝒕 ! neslihan gökçe , 29 , human rights lawyer . can you hear my heart beating like a hammer ?
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