Curate, connect, and discover
Eu amo demais. eu sinto demais. eu ouço demais. eu vivo demais. Pra mim, não há um meio termo. eu vivo tudo intensamente, como se a cada segundo que passa fosse o meu último. Amo os pequenos gestos: o roçar das mãos, o corar das bochechas, os sorrisos tortos e amarelos, o cabelo bagunçado, o brilho nos olhos. Gosto de olhar para as pessoas e imaginar quem elas são, quais seus nomes, suas ambições, seus sonhos. gosto de pensar se elas são felizes, se algo bom ocorreu em suas vidas, se elas foram promovidas, se a família cresceu, se elas amam a vida como eu amo. Gosto de sentir tudo como se fosse a última vez, gosto de viver o momento. Amo as pessoas como se a qualquer momento fosse perdê-las, aproveito os segundos com os amigos, aproveito cada bebida, cada risada, cada suspiro, cada brilho no olhar. Gosto de ouvir as pessoas falarem. Como elas ficam mais bonitas quando falam de algo que gostam, ou quando estão animadas e começam a falar sem parar, como elas parecem mais humanas ao falar sobre oque sentem e porquê. Como é especial apenas compartilhar alguns minutos para deleitar-se com a história de alguém, ou talvez um simples “bom dia”, “obrigado”, “eu te amo”.
Eu amo viver, e amo tudo que a vida tem a me oferecer. a vida é bela, é humana, é curiosa. tudo um dia passa, nada dura pra sempre, e isso é o que torna a vida tão humana quanto nós. é o que a torna bela, única e tão, mas tão preciosa.
O que significa para ti escrever? Achas que escrever pode servir mais do que para aprovar a matéria de língua na escola?
Question.: What does writing mean to you? Do you think that writing can be used for more than just passing a language class at school?
Escrever é um ato de libertação, seja a modo de autoreconhecer a si, tanto a expressão um ensinamento ou simples demonstrar algo ainda não visto. Há quem não curta (e tá tudo bem) , para servir a fins de terminar um ano letivo, mas aos que descobrem o que há entre versos pode se encontrar num mundo novo.
Writing is an act of liberation, whether it is a way of self-recognition, expressing a teaching or simply demonstrating something not yet seen.There are those who don't like it (and that's okay), to serve the purpose of finishing a school year, but those who discover what's between verses can find themselves in a new world.
um impulso quase febril de moldar perguntas toda vez que me atrevo a tocar tuas palavras. É que, sem jamais ter te dito — talvez por vergonha, talvez por medo de parecer tola — carrego a esperança clandestina de que cada frase me guarde em segredo, de que cada texto teu seja um sussurro disfarçado com o meu nome. Nunca tive coragem de admitir, mas meu peito se rasga em ciúmes viscerais, ferozes, doentios, egoístas, só de imaginar tuas mãos escrevendo para outra. Esse segundo que não me pertence — esse tempo que não é meu — me corrói com a fome de um amor que ainda não se nomeia.
Fala comigo, amor.
Deixe um recado.
Deixe uma pista, ainda que cifrada, em alguma canção de sentidos ocultos-desocultados, dessas que dizem tudo sem precisar dizer. Ou será preciso outra noite tua? Daquelas em que a bebida te desnuda, se torna coragem e você me busca como quem se perde e eu aproveito as migalhas sinceras do teu delírio?
Maldição.
Então escreve.
Porra, escreve outro texto, se quiser. Mas responda.
Responda aos outdoors espalhados pelas avenidas da cidade inteira: Quem é sua menina?
— b.m
Não, não, muito cafona, apesar de sempre ter tido certa habilidade para breguices…
Nunca soube direito como se inicia um diário. Menos ainda como se começa com aquele clichê de “querido diário” — soa como se eu escrevesse para alguém, quando na verdade escrevo para mim mesma, sobre ele, é claro. Deixe-me tentar outra vez.
Querida eu, que insiste em complicar o simples…
Deixei de ser a menina dos olhos dele. Ele não disse com palavras, mas sempre tive esse talento questionável de ler silêncios e preencher as entrelinhas — um hábito cultivado que, supostamente, deveria nos proteger de corações partidos. Engraçado, não tem funcionado muito bem, confesso. Eu sei. Talvez ele também saiba. A verdade é que nosso amor se amansou. Virou aquela calmaria confortável, como a brisa fresca das manhãs que se alongam preguiçosas, com o cheiro do café recém-passado e o silêncio doce de quem aprendeu a gostar do tédio da solitude. Nosso amor, querida eu, tornou-se isso há tempos. E eu ainda teimo em chamar de amor, pois é o que sinto. Quanto a ele… talvez reste um carinho morno, uma consideração educada por tudo o que vivemos. Às vezes até, ouso pensar que o que sobra é só conveniência, talvez comodismo. Por que é isso que as pessoas fazem, não é? Voltam ao que conhecem quando a vida se torna vazia demais… ou insuportavelmente cheia. Extremos. Sou o ponto de conforto dele. E nós duas sempre achamos isso bonito, não é? Sei que você está aí, sorrindo de canto, se deliciando com a ironia, achando graça dessa nossa mania de ver poesia na melancolia. Para alguns, ser o lugar seguro de alguém pode parecer desolador, como se você deixasse de ser alguém e se tornasse apenas uma função, mas não para nós. Existe algo genuíno e poderoso em ser o que quer que ele precise. (Querida eu safada, por favor, não malicie essa maldita frase). E assim seguimos…
Pensei em escrever para Chico e Zé, perguntar o que diriam sobre esse amor tão plácido, tão… contido, para que me ajudassem a colocar em ordem essa serenidade de amar o que já não queima, mas, no fundo, sei que só estou escrevendo para mim, o que futuramente entenderei como uma carta de rememoração sobre o sentimento do que foi, o que ficou, o que mudou — e, talvez, exorcizar esse tolo medo do que ainda pode ser, enquanto peço baixinho, feito prece sussurrada para um santo que não sei o nome, que de algum jeito, nós nunca deixemos de ser a menina daqueles lindos olhos — os mais belos olhos que já vi: os dele.
— b.m
Hesitei incontáveis vezes antes de traçar a primeira palavra desta carta. Durante dias, vaguei entre pensamentos desordenados e sentimentos que se recusavam a ser domados pela linguagem. Como explicar algo que nem eu mesma compreendo? Como traduzir uma dor que me escapa toda vez que tento agarrá-la? Tenho medo de que estejamos distantes demais para que qualquer explicação faça diferença e isso me dói mais do que posso admitir. E eu lamento por isso.
Mas, Chico, ontem à noite, sonhei.
Depois de um tempo que já me parecia eterno, sonhei. Tu te lembras das minhas lamúrias constantes, da minha queixa desmedida de que apenas sabia contar os dias quando as noites me ofertavam sonhos? Pois bem, recomecei. Na noite um de 9 de fevereiro, o tempo voltou a fluir. No entanto, não me apresso em te ofertar consolo, pois o que tenho a contar não é notícia inteiramente boa. Te explico.
Eu amava, Chico.
Amava com a devoção impetuosa e incontrolável de uma menina que, desconhecendo os limites do próprio coração, atira-se ao abismo do sentir sem temor algum. Embriaguei-me no êxtase desse amor e, sem pudor ou prudência, vivi. Mergulhei nesse amor sem reservas, sem questionar, sem me proteger. Deixei que esse amor me tomasse por inteira, que me fizesse perder o medo e o juízo. Voei como quem ignora que asas também se partem. Fui feliz, Chico. Intensamente, absolutamente, irracionalmente feliz. E, por Deus, eu sentia! Em cada fibra do meu ser, em cada batida ansiosa do meu peito, eu sentia. O amor me incendiava, consumia-me até o cerne, e eu, tola, acreditei ser amada na mesma medida.
Mas a vida, essa grande ironista, reserva-nos formas brutais de provar que tudo o que acreditamos viver pode não ter passado de um sussurro efêmero no vento. Que anos podem não ser mais que fragmentos de uma ilusão mal urdida. Que todo aprendizado se desfaz ao primeiro toque de um coração ingênuo demais para guardá-lo. E, no fim, Chico, tudo se reduziu a isto: um amor juvenil, um devaneio imaturo, um delírio insustentável.
E eu, louca, acreditei.
Deixei um convite sobre a mesa dele. Escrito com calma, com letras desenhadas como se cada traço pudesse garantir o destino que eu tanto queria: “Encontre-me às duas, em frente à Duomo de Florença. Vista seu melhor terno.”
Já consegues antever o desfecho trágico, não é? Mas eu, cega na minha esperança infantil, não. Eu esperançava, Chico! E esperançava tanto que me vesti para um sonho. Escolhi meu vestido mais belo, ajeitei os cabelos com esmero, colori os lábios com a cor dele e pisei em saltos finos como se estivesse à altura da ocasião — a ocasião do meu próprio casamento.
Não me alongarei nos detalhes, pois já não sei se valeriam a pena. Mas ele veio, Chico. Ele veio. E estava belo, como eu ousara imaginar. Quisera eu poder dizer que vislumbrei a imagem de um anjo quando o vi subir os degraus da catedral. Mas não. Associar tamanha beleza a algo celestial seria heresia.
Eu sonhei, Chico.
E cada degrau que ele subia era como uma lâmina a me atravessar o peito. O tempo se dissolvia, e a dor que ali nascia parecia anterior à minha própria existência, como se eu tivesse vindo ao mundo para senti-la. Como se fosse uma sina. Como se Deus, do alto de Seu trono, observasse minha desgraça com deleite silencioso, sem intenção alguma de intervir.
Foi belo, Chico.
Tão belo que chorei.
E então acordei.
Acordei no exato instante em que a porta dos fundos se fechava, selando o destino do que nunca fora verdadeiramente nosso. Um fim tão absoluto quanto o silêncio após um último suspiro. O fim de um amor juvenil, de um verão desfeito em outono. E o que restou de tudo isso? Apenas uma carta, largada sobre a mesa ao lado da minha cama.
O papel, Chico, trazia uma caligrafia diferente da minha. Apressada, desprovida de zelo ou de qualquer vestígio de afeto. Não havia hesitação nem doçura, apenas um veredito cruel e inapelável:
“Sinto lhe decepcionar, mas não podemos nos casar! Meu coração pensou que te pertencesse, mas ele se enganou! Até nunca mais!”
E assim, Chico, acabou-se.
Com amor, sua Heresia.
— b.m
Clarice nunca esteve mais certa ao contemplar em uma única frase o que eu ansiei para nós: decifra-me ou devoro-te; com uma pequena margem de erro existente na dualidade de que fui decifrada tão lentamente e intimamente que o memorizar dos seus dedos percorrendo as entrelinhas de minhas curvas rasga-me um grito não digerido que, declara-me vencida. Eu me deixaria ser devorada silenciosamente por seus olhos, seus lábios e seus toques precisos, que ditam com uma fineza absoluta o saber do que esta fazendo. És detentor de todas as minhas sensações, todas elas são para você, sempre foram para você.
— b.m
Óh Sublime Heresia, vinde-a mim resgatar e amiudar seus findos pecados que vertem transgressões imundamente prazerosas ao que saciam da curiosidade genuína de te descobrir. Sublime, impetuosa, nefasta heresia, esta que adorna resquícios do que um dia exaltou castidade, mas redesenhou-se do inferno particular de minhas digitais blasfemadoras, deitando-se em gozo na cama do que possui muitos nomes. Imaculada foste, antes de se tornar minha. MINHA!
— b.m
com a mesma urgência em que se busca por oxigênio após uma longa noite de transa intensa. Case-se comigo, para que eu possa apreciar uma eternidade de amores contigo, atravessando a meninice de uma adolescente apaixonada até uma senhorinha aguardando o deleite da morte após viver um amor que só você é capaz de me servir. Case-se comigo e façamos a tola promessa de nos encontrarmos nesta e nas próximas vidas, porque o clichê de te amar em apenas uma é realista demais para que eu o contemple em apenas alguns malditos e restantes anos desse século. Case-se comigo e me deixe gentilmente e dedicadamente ser o que você precisa que eu seja para além de sua.
— b.m
Perdoe-me, padre, pois eu pequei. Pequei ao conhecer o diabo e chamar por ele. Eu o vi, padre, olhei em seus olhos, deixe-me ser encantada por ele. Eu desejei por ele e intimamente, passei a querer que ele me desejasse também. Perdoe-me, padre, por ignorar o chamado divino, ajoelhar-me como uma santa e orar por graças, enquanto sentia-me ser abençoada pelo espírito e, ao invés disso, eu toquei-me com sofreguidão nas noites solitárias pensando em como ele me pegaria forte por trás e sussurraria as depravações que faria comigo durante as luas cheias, roubando-me a pureza, maculando-me a fé e fazendo de mim uma profana. Eu tentei, padre, manter-me casta aos olhos do pai, mas aquele cujo a intensidade no olhar que devoravam-me todas as vezes que via-me em um corredor ou outro, foi demais para mim, que nada sei, além de querê-lo dentro de mim, preenchendo-me impiedosamente, como uma vagabunda. Perdoe-me padre, por dar ouvidos ao diabo que sorria sedutoramente enquanto chamava-me de coelhinha. Coelhinha, padre, porque para ele, eu era a maldita presa, deleitando-me nas inverdades que ele segredava á mim quando acusava-me de ser ardilosa; a serpente do Éden, criando em mim a falsa sensação de ser perigosa, quando na verdade Eva era minha verdadeira face. Mas eu enganei-me, padre, enganei-me para me sustentar em uma crença que já não mais existia, e para entender que, eu acabara de me despir imoralmente libidinosa e dançar devassamente ao altar do Diabo, enquanto entregava a ele minh'alma.
— b.m
Ophélia era adjetivo de problemas, carregando todos os seus piores significados inescrupulosos. Tão dissimuladamente doce, com aqueles olhos amendoados, profundos, frios e calculistas que revelavam o suficiente para aliciá-lo a mergulhar na imensidão obscura do que ela poderia oferecer, fazendo pouco caso de sua autopreservação e que descomplicadamente transfiguravam-se em suas perturbações noturnas, - feitio libidinoso a ser enfatizado, da raiz até a alma, meu caro. E aquele sorriso? Oh, deuses! Aquele sorriso encantadoramente devastador, que faziam jus aos lábios carnudos e aos longos cabelos pretos que viviam sempre bem arrumados, exalando um bálsamo natural de cidreiras; ou seria a pele? Pele límpida e embranquecida, tão macia, que sintonizava-se as curvas acentuadas de seu pequeno e esbelto corpo, desenhados pelas mãos do diabo. Favorite du Diable. Era como eu a reconhecia. Totalmente compreensível. Ela viveu há tanto tempo presa á correntes, sendo doutrinada, que hoje, em seu auge, tornou-se um espírito livre, tão fodidamente pecaminoso. Difícil pensar em Ophélia e não assimilá-la a um inferno particular, onde se é atormentado visceralmente, para repetir tudo de novo, de novo e, de novo e mais uma vez. E por que? Tudo que se vê nela é arranjado para aguilhoar, meu pobre homem. Como não querê-la? Como não desejá-la em seus simples detalhes? Um frenesi doentilmente banhado a regalo. Um caos. Maldito caos que só se fazia ambicionar mais, descontroladamente progressivo. Ela, ouso dizer, era uma filha da puta das mais cretinas, uma força inarrável da natureza. Arrebatadora. Tornava-se uma obsessão contínua, após algumas doses homeopáticas. Isso fazia parte de um todo. Ela era única e deixava você ser também, mesmo que isto lhe assustasse. No entanto valia a pena, mesmo que doesse, e doía, mas só no começo.
— b.m
I hate feeling like this… É um começo de dia, um começo de dia sem você, mais um, só mais um, aonde o tempo parece arrastar-se em meio as minhas tarefas matinais, que hoje são feitas no meu modo automático. É como se todos os dias fossem os mesmos; vivo em meu pesadelo pessoal, repetindo o mesmo dia diversas vezes; é o que me perturbar, mais e mais. A cada olhar que lanço para a casa vazia, a cada vento que me beija o rosto fazendo-me arrepiar, ouvindo debulhar-se em minha mente sussurros de suas palavras declarando finalmente estar aliviado por não manter-se preso a mim, não mais, e ainda conseguir fingir que se importa. Mas tudo bem, eu sei que não se importa mais, e não deveria, pois eu vou ficar bem, você sabe que irei superar essa, só mais essa. Talvez seja por isso que mesmo sem querer você age assim, porque sabe que eu sempre supero. Que sou forte o bastante para engolir as lagrimas, enquanto sinto meu coração parar de bater. Mas se eu pudesse, eu lhe sorriria com os olhos cheios de lágrimas, mescladas em felicidade, mágoas, boas lembranças e más, do quanto eu sinto muito. Sim, eu sinto. Sinto por te amar como o amo, sinto por ter deixá-lo me machucar como me machucou, sinto pelas idas e vindas de muitos erros e de muitos acertos, sinto por machucá-lo também, claro que sinto. Sinto pelos ótimos momentos, pelos beijos, pelas caricias, pelas palavras de conforto, pelas palavras de carinho, pelas lágrimas de felicidade, Oh, como sinto, Mas sinto ainda mais por sentir raiva de você, hoje. Consome-me até as entranhas, sufoca-me, enlouquece-me. Tento gritar, mas já não tenho forças pra isso mais, então só respiro e vou vindo com o nó na garganta e com o peito a sangrar, dia após dias. Se você pudesse, se pudesse se sentir como eu, sentir muito como eu sinto. Mas certo, eu irei mesmo ficar bem, mesmo que tenha que tornar-me um robô melhor. Eu vou continuar sentindo, mas dessa vez, sem você.
─ b.m
Eu mal sabia que minha última tentativa, antes de, por fim desistir, por concluir tamanha estupidez e ridicularidade, esta minhas mesmas palavras o fariam ver-me como uma farsa, tal qual nunca fui, não com você. O único.
Seria possível? Isto fazia de mim uma tola? Por fantasiar tantas coisas, todas elas onde você se encontraria ao meu lado, independente do que quer que estivesse fazendo. Inicialmente cogitei ser egoísmo, mas depois me aliviei da ideia de que se o fosse, pagaria qualquer preço para que eu obtivesse nem que fosse o mínimo, o mínimo sorriso, o mínimo oi, o mínimo vislumbre de andar e olhar, o mínimo de existência que eu pudesse presenciar de você que me mantinha assim, viva e tão certa de que eu respirava para contemplar outra força da natureza qual sobrepunha a minha própria. Engraçado pensar que, bem antes mesmo de declarar inverdades sobre mim, eu mesma já havia cedido sem o conhecimento de que isso fosse possível. — b.m
Nunca me fiz de rogada, a verdade é que, antes mesmo dele eu já ansiava. Ansiava por alguém, por algo. É um tanto clichê redigir e conduzir os ideais de uma garota não tão comum que sentia não encaixar-se em um mundo tão… tão mundo, mas a verdade que pairava sobre mim é que o interno nunca foi interessante o suficiente e aprendi cedo demais que o externo era o que destacaria-se perante uma sociedade tão superficial e, sorte a minha ser tão bela. Modéstia à parte eu era ridiculamente bonita, com meus longos cabelos cor de laranja, olhos profundamente azuis, sardas que exibiam-se angelicalmente sobre as maçãs de meu rosto e contornavam delicadamente meu nariz empinado. Meu corpo? Esbelto com curvas estrategicamente postas para agradar os olhos até dos mais exigentes, mas nada disso valia-me, já que a única coisa do qual tudo isso me proporcionou foram noites longas remoendo amargamente um desastre natural das palavras não ditas àquele imbecil.
A verdade é que assustava-me a intensidade com o qual ele me olhava. Seu olhar tão impetuoso sobre mim, fazia-me queimar sobre minha própria pele e querer correr em busca de algum refúgio desconhecido que me protegesse de qualquer decepção, mas sinceramente? Não reconhecia qual.
[...]
Eu desejava tão intensamente que ele soubesse todos os pormenores que dedicava à ele, sem sequer saber que fazia por ele. Uma playlist no spotify, um livro ou outro, até mesmo minhas desventuras noturnas em meio a um gole ou outro de uma cerveja gelada concluíam-se no mesmo ritual, o de ouvir alguma música estúpida que declarasse inverdades sexuais… me lembravam ele. Não que o visse apenas dessa forma, mas CARALHOOO! Por Hades, querido!!! O que me tomou foi muito além da minha própria cerne, foi minha alma… até que comecei a protagonizar-me em cartas enormes que te escrevi e nunca as enviei. Sempre fui humilde a ponto de entender que nunca possui tino para a escrita, diferente de você, mas em meio às minhas inúmeras tentativas, te escrevi.
— b.m
Quanto mais te leio, mais gosto de você.
Quanto mais convívio, quanto mais perto, mais distante estou da expectativa de que um dia você seja tudo que sempre sonhei.
Você é o que é e isso é fascinante.
Talvez seja o primeiro amante que eu vivo do que é real. E o real se apresenta como se bastasse em si mesmo. Quando eu lidava com expectativas, nunca era suficiente.
Hoje eu me basto e você, assim do jeito real e verdadeiro que se apresenta, também.
Acho que comecei a abalar as estruturas do amor romântico dentro de mim e tenho descoberto o quão lindo é amar em liberdade.
Aline Rafaela
Desde criança a vida me ensinou a ser forte
Dez anos de idade e sem poder contar com a sorte
Senti a mão da mulher branca no meu peito
Ela dizia: “Quem você pensa que é negrinha?”
“Perdeu o respeito?”
Num gesto brusco indicando: Pare!
A mulher continuou o dispare:
“Daí para frente você não vai mais”
“Só as crianças brancas podem entrar”
Naquela ocasião, lembro-me bem
Era uma excursão escolar
O nome da mulher?
Cleuza Nogueira Araújo
A professora do gesto absurdo
Minha mente de criança
Assimilou o gesto de Cleuza
Da pior forma possível
Entendi com aquele gesto
Qual o meu limite para a vida
Se for para ir mais um pouquinho
Entrada proibida
Cresci atenta ao limite
Daqui eu não posso passar
As mãos de Cleusa no meu peito
Fez-me entender meu lugar
Aos 13 anos de idade fui trabalhar
Pai peão, mãe dona de casa
Oito filhos para cuidar
Pajear crianças brancas
Era o único jeito de a minha família eu ajudar
Meus estudos, meus sonhos
E aquele vestido azul com laço
Estavam do lado de lá da linha
Fora do meu alcance
Em outro espaço
Foi aos 10 anos de idade
Que aprendi com uma professora
Que minha vida seria sempre do lado de cá
Da fronteira
Levando porrada na trincheira
Aos 15 anos me casei
Fui promovida de babá
A esposa e empregada doméstica
Sempre sabendo meu lugar
Por que aos 10 anos
Aprendi aonde posso ir
E onde posso entrar
E eu entrei na vida do avesso,
Meu apelido é “Dadá”
A única coisa que me disseram
Quando vi ao mundo foi:
“A vida pra nossa gente é dura
Você vai ter que se virar”
Eu me virei do jeito que sabia
Doei a minha vida
A quem não podia
Sequer me enxergar
Dadá vêm de da-da, doa-da
Investi a minha vida à doação
Doei meu sorriso
Doei meus sonhos
Doei meu tempo
E até meu leite
Servi contente
Para manter os dentes
Àqueles de olhos quentes
De autoridade em chamas
Atentos aos meus passos:
“Dadá, não limpou os meus sapatos?”
“Hoje você não leva as sobras do jantar”
A chama da vida
Que havia no meu peito,
Congelou aos dez anos de idade
Quando Cleusa colocou a mão
Naquele corpo pequenino,
E com um gesto simples e castrador
Ensinou-me meu lugar no mundo
Entendi que nessa vida
Seria impossível realizar
Meus desejos mais simples
E profundos
Hoje, aos 75
E uma vida inteira de doação
Ainda posso sentir aquela mão
Sobre o meu peito
A inocência de acreditar
Que aquela excursão seria
O dia mais perfeito
Ainda arde e queima
Recordo-me de mamãe
Sempre muito caprichosa
Dizer orgulhosa:
“Lavei e quarei o seu uniforme,
Mais tarde vou lá na Fatinha
Vê se ela me empresta
Um pedaço de sabonete
Amanhã você vai cheirosa
Para escola, que é pra professora
Não botar defeito”
Mamãe de quebra
Assou-me um bolo
Em uma lata de sardinha
Mal sabia ela
Que de nada ia adiantar
Sua filha alimentada e
Limpinha
Se aquele não era o meu lugar
Na cadeira que descanso agora,
Balançando para frente e para trás
Te conto olhando nos olhos
Minha história tão mordaz
Leva menina,
Leva essas histórias para o mundo
A voz que tu ouve no coração
É a voz de uma legião
De homens e mulheres humilhados
Esperando cura e alivio
Nas palavras de corte e veludo
De uma geração de iluminados
Conscientes do passado e do legado
Geração que entende a importância
De reverenciar seus antepassados
E garantir que nossa história seja contada
Que a justiça seja feita
Mesmo que simbólica
Mesmo que imperfeita
É assim que é a vida
É assim que é a história
Promessa de continuidade
Reverência à memória
Daqueles que sonharam
Suas vidas com mais dignidade
Aline Rafaela Lelis
Escrito em 02 de maio de 2019
Somos assim, mesmo cortadas e aparentemente sem vida, nossas raízes estão trabalhando para que possamos renascer. O renascimento pede paciência, o broto só vingou depois de muito trabalho das raízes. Lento, no seu tempo. O tempo de espera é bom, a gente vê que a corrida pela qual estávamos empenhados não faz sentido. A busca é sempre por si mesma. Ser o seu potencial criativo. Sentir a existência de maneira leve. Ignorar o que não é essencial. Nascemos muitas vezes. A cada nascimento permita-se ser fiel à sua verdade. Sinta o seu coração pulsar. Sem pressa! A vida não é nada do que te disseram e nada do que você aprendeu todos esses anos. A vida é mais, Deus é mais e você preso a desejos e medos que nem são seus. Ouça seu coração. Em você reside todas as respostas que procuras.
Aline Rafaela Lelis
Escrito em 13 de novembro de 2019.
Se só a morte em si
Me fizer lembrar da vida
Que triste fim seria
Esta minha jornada.
Como trazer a vida
Para dentro de um coração
Que não crê em mais nada?
Não sinto pulsar
Uma gota de esperança
Em minhas veias.
Meus olhos pedem socorro
Meu sono é um aviso
De que estou cansada demais
Para lutar sozinha
Queria que viesse até mim
E me dissesse:
"tudo vai ficar bem
Você não está sozinha
Vamos até a cozinha
Vou te fazer um jantar,
Não se preocupe minha querida!
Que eu não solto da tua mão
até você voltar a caminhar"
Se só a morte em si
Me fizer lembrar da vida
A morte simbólica
O que significa?
Que devo reagir antes da morte em si chegar?
Que devo viver e sentir vida pulsar?
O que eu mais quero é acordar
Acordar da letargia, eu juro!
Só não sei por onde começar,
E também estou sem forças!
Aline Rafaela Lelis
O céu da noite e da manhã É que me faz acreditar em Deus. O sol, a lua e as estrelas Estão tão longe, e ao mesmo tempo tão perto! Me perco no mistério, Me sinto amparada pelo infinito. De qualquer janela que olho O céu está bonito. Nas noites estreladas Nas nuvens acinzentadas Ou no céu todo preto Beleza não falta. O céu diz ao meu coração todos os dias "Confia mulher, seu destino é ser luz É iluminar, jamais se perca na vã materialidade" O céu está a me mostrar o que realmente importa: O ministério, a magia, o divino A paz no coração de quem se alinhou com o sagrado. O céu é uma mãe Que consola a humanidade inteira em desalento Só é preciso estar atento E de vez em quando olhar para o Alto E ver que sobre si recaem todas as bênçãos.
Aline Rafaela Lelis
Se um dia eu precisar das redes sociais para existir,
Quer dizer que eu me perdi de mim.
Quer dizer que eu já não sei mais quem sou.
Quer dizer que estou em total desamor.
Dizem que quem não é visto, nunca é lembrado.
Deve ser por isso que existem os stories.
Eu valorizo quem se lembra só por lembrar,
De um abraço, de um sorriso, de um gesto ou um olhar.
Não, eu não preciso das redes sociais para existir,
Nem meus poemas.
Eles existem é dentro de mim.
Desde muito tempo é assim,
As palavras brotam do peito,
E quando vejo já está no papel
Ou em rascunho no celular.
É através das palavras que eu expresso
Todo amor e toda dor.
Para eu existir não preciso estar logado
Não preciso de mil curtidas.
Fazer existir dentro de si
Sem aprovação de terceiros
É um ato de coragem,
É atitude de quem jurou fidelidade a si mesmo.
Nós precisamos existir independente dos posts,
Dos perfis e dos seguidores.
A vida acontece é dentro de nós,
Estar presente no ciberespaço
Só é bom quando aprendemos a ser presentes dentro da gente.
Se um dia eu precisar das redes sociais para existir,
Devo acreditar que cheguei ao fim.
Aline Rafaela
Bela sempre gostou de dormir depois de observar o céu. As estrelas parecem sinalizar alguma coisa. Acalmar o coração. Fortalecer as ideias. Quando ela olha para o céu da sua janela, há sempre uma estrela que chama mais a atenção. E é aquela estrela que dá o recado. Ela fecha os olhos e sente no coração uma voz mansa a dizer; “vai dar tudo certo preta, você não está sozinha! Paciência!”.
É para as estrelas também que ela pede proteção para o seu amado. Há vidas eles amam. E a cada vida esse amor amadurece. Não tem como duvidar que eles viveram outras vidas juntos. Ela o sente no coração como se sente a um irmão. Um irmão de alma. E ele a sente no coração com a ternura que as almas afins sentem uma pelas outras.
Há anos os dois não estão mais juntos. Há anos eles não se veem. Mas ela nunca deixou de pensar nele, muito menos ele nela. Outro dia Bela abriu sua caixa de e mail e leu: “Quantas vezes você me visitou em sonhos... ora sorrindo, ora calada. Um amor assim não é em vão. Nós ainda vamos nos reencontrar”.
Bela leu o e mail e pôs a imaginar a visita onírica ao seu amado. Ela aparecia para ele como uma deusa. Toda de amarelo. Colares e braceletes de ouro, tiara enfeitando a cabeça. Flutuando, sorrindo, beijando seu rosto e desaparecendo subitamente. Outras vezes ela aparecia calada, apenas observando-o, séria. Quando Kako aproximava ela desaparecia. Pensou: “das vezes que o visitei calada devia estar angustiada. Pedindo por ajuda talvez”.
O céu escuro é um dos mistérios mais lindos para Bela. Quando ela caminha à noite pelas ruas estreitas de pedra sabão sempre olha para o alto. Gosta de contemplar o mistério. Pensa “como teria vivido às pessoas que habitaram este lugar há exatos 200 ou 300 anos?” A história a fascina. Bela sempre viveu no mundo da lua, tem dificuldade de lidar com a realidade objetiva. Vive sonhando. Acredita em portais, em espíritos e magia. Para ela existem mundos diversos, e quem tem o “dom” acaba vendo coisas que estão além da nossa realidade. Criaturas de outros mundos para ela circulam entre nós, e os mundos paralelos estão aí, para quem pode vê-los.
Bela sabe que seu amor não tem fim e que vai muito além da cultura. Por isso ela acredita no amor como uma força capaz de transmutar toda dor. Ela sabe que os finais são muito melhores que os contos de fadas, que o “viveram felizes para sempre” na verdade é: “então eles aprenderam a amar um ao outro incondicionalmente, e foram libertos para todo sempre do apego. Evoluindo pelo amor, suas almas enfim, se elevaram e eles viraram luz para todo sempre!”
Aline Rafaela
Ela é a minha inspiradora, 6 anos mais velha, cantora, beleza indecifrável. Ela tem tudo que uma mulher negra pode desejar para si. Firmeza nos gestos, voz que vibra num tom delicado algodão, com a suavidade do mel. Ela é colorida e já rodou o mundo. Ela serve a música (preta), ela está em expansão. Ela é a visão que tenho da liberdade, de tudo que me prende à auto-sabotagem.Ela tem fé na mulher. Ela é a voz ancestral feminina que veio cantar para todas nós. Meninas, mulheres e senhoras. Ela é feliz! Entendeu a sua missão. Ela não está na contramão. Ela é a mão da via mais sincera para chegar ao coração. Ela é minha musa inspiradora.
Eu sou a musa inspiradora da mulher que vive à beira da linha, no barraco com chão de terra batida. Eu não tenho a voz da minha musa. Não visto as roupas que ela veste, nunca fui capa de revista, nunca saí do país. Não visitei nem mesmo o nordeste. Tenho fé aquebrantada e olhar que já despertou coragem. Eu sou a mulher caída no meio do caminho. Entre a luz e a sombra. Tentando atravessar ilusões, tentando transpor barreiras, tentando não desistir da luta. Descobrindo meus dons, meus tons, e, de vez em quando, até entro no ritmo, para logo descompassar no abismo dos pensamentos que no passado dizia que meu lugar era o sub-lugar.
Embora não seja a pessoa que quero, a mulher destemida, a guerreira invencível, a mulher que tem a si e levanta sua força como estandarte. O caminho que trilhei até aqui, por mais que pareça pouco aos meus olhos e sentidos sabotadores, esse caminho é admirado pela mulher que vive no barracão de chão de terra batida na beira da linha de trem. Para essa mulher, eu sou inspiração, eu inspiro coragem pela postura que ela acredita digna, pela eloquência das palavras ditas.
Essa moça também é minha inspiração. Ela não desistiu apesar de tudo.
Três mulheres pretas cujo destino se entrelaçam na energia misteriosa que nos projeta para o futuro com o desejo de crescer, de nos tornarmos melhores de vencer nossas dores, de ir adiante com os nossos sonhos, de descobrir nossos talentos, de soltar nossas vozes, de permitir nosso corpo à dança, ao som dos tambores, de permitir nosso corpo a mobilidade que nos é intrínseca. De nos realizar enquanto potências que somos. De carregar nos olhos nosso passado transmutado em amor.
Todas elas são minhas musas inspiradoras,
Todas nós trazemos no peito nossas histórias,
Todas nós somos únicas da forma que somos,
Todas nós estamos alimentando o sonho,
de liberdade.
Ela é minha inspiração. Eu sou a inspiração dela. Que é a musa inspiração de outra. Da outra que inspira o mundo inteiro.
Ama-te. Valoriza-te. Realiza-te. E você estará fazendo o melhor pelo mundo. Seja feliz e sua missão estará sendo cumprida. Seja luz que o Universo também será. Seja a mudança e a força. Somos uma só, uma só coisa.
Mulher, eu sou você e você é eu. Somos espelhos refletindo a força que nós estamos destinadas a ser mundo.
Aline Rafaela