o ritmo da manicure amendoada batendo contra a madeira maciça da minúscula mesa , que já tinha o seu nome e de aaron afixado , enquanto conferia a sua caixa de mensagens em meio ao burburinho da piazza , era o único indicativo externo de inquietação de neslihan. a energia em excesso não era incomum , mas antes mesmo de consumir sua dose tripla de cafeína pela manhã? uma , quase , raridade , mais incaracterística até do que o atraso alheio . naquele momento , os minutos que o relógio caminhara além das sete horas , sequer haviam registrado , quando o timbre masculino , e pesado , fê-la saltar no assento. ❝ cavolo ! ❞ levando uma das palmas sob o ritmo repentino em seu peito , fitou atordoada o blackwell por alguns instantes. ❝ uh? ah-ainda não , estava te esperando… ❞ as horas no adereço envolto no delicado punho fizeram-na franzir o semblante momentaneamente. a gökçe jamais perdia a noção do próprio tempo . ❝ não faz mal , eu posso forçar meus horários um pouco mais tarde . ❞ o repuxar dos lábios era genuíno então , os músculos relaxando lentamente. ❝ quantas horas foram hoje ? duas ou três ? ❞ folheando o menu , mais por hábito do que necessidade , arqueou uma das sobrancelhas para ele antes de recitar o próprio pedido. gostava de variar , mas àquela altura , todos os pratos e bebidas do pequeno café , espremido entre uma floricultura e gelateria , já haviam agraciado o seu paladar. ❝ ao menos não foi acordado pelo escândalo que arrumaram por toda cidade… já teve chance de ler o jornal ? ❞ questionaria se havia conversado com alguém mais , mas era aaron em sua frente. tão improvável quanto ela acreditando em magia. com o ristretto entre as palmas , inalou o aroma inebriante antes de bebericar o líquido escuro , soltando o suspiro preso em seus pulmões desde que lera a manchete — ainda em seu roupão e com mark ruffalo deitado sob os seus pés. ❝ está preparado para o mais novo absurdo que estão inventando ? ❞ sarcasmo era tão fluente entre eles quanto o italiano ou inglês .
Aaron puxou a cadeira em frente a Nes em um movimento cansado, pedindo desculpa pela demora. Normalmente, ainda que saísse tarde do trabalho no bar, ele não costumava se atrasar. Cumpria rigorosamente — quase religiosamente — a tradição de tomar café da manhã com a melhor amiga. E, por mais que não fizesse esforço pela maioria das pessoas, ela conseguia ser sua exceção. "Você já pediu a sua comida?" Blackwell puxou o cardápio, mas já sabia o que queria, porque sempre pedida a mesma coisa todos os dias. Não gostava de mudanças. Então, ia ser o mesmo café com leite e pão com ovos de sempre. "Acabamos fechando o bar bem tarde ontem e", deu de ombros. "Sei lá, não consegui acordar". @neslihvns
o riso veio fácil , dançando nas íris que tremeluziam com humor diante da ênfase teatral e da encenação exagerada da amiga . ❝ ah , não há necessidade de tanta possessividade , vita mia . sabe bem que , neste mundo inteiro , meus olhos pertencem apenas a você . ❞ se afastando sutilmente da mulher , manteve a conexão dos braços , antes de retornar a atenção à recepcionista com um tom conspiratório . ❝ ela anda um tanto territorialista com esses rumores recentes de que somos duas das reencarnadas e precisamos encontrar nossas almas gêmeas… quando , na verdade , já temos uma à outra . ❞ com uma piscadela divertida , voltou a se acomodar ao lado da giordano . ❝ seu desejo hoje é uma ordem . dois dos seus melhores massagiatores , um para mim e outro para a mulher mais deslumbrante da minha vida . ❞ os roupões felpudos , tão macios quanto nuvens , surgiram quase como por encanto, os tomando em mãos , ofereceu um à mais velha antes de se dirigirem aos biombos . assim que envolta na suavidade do roupão , neslihan já podia sentir os nódulos em seus músculos começarem a se desfazer apenas pela confluência dos óleos essenciais que pairava no ar . ao deixar a repartição com uma longa e relaxante respiração , seus olhos captaram de imediato as duas figuras masculinas que as aguardavam . buscando pelo olhar de graziella , encontrou nele a mesma expressão de apreciação estampada em seu próprio rosto. ❝ você não poderia ter escolhido melhor . ❞ com uma risada baixa e satisfeita , seguiu até a maca , deslizando o roupão até a cintura ao se cobrir com o lençol . ❝ os sacrifícios que não faço por você , dolcezza . ❞
Olhar para os dois em sua cama, lhe dava uma sensação inexplicável de paz, como se tudo estivesse certo somente com ambos ali. Os braços cruzaram debaixo do peito como se estivesse avaliando suas opções. Não queria passar o dia longe do filho, mas não podia negar que um dia no spa seria ótimo com os últimos estresses que andava tendo. Com o salto da bota, se aproximou da cama, puxando Romeo pelas pernas até a borda do colchão e se agachou na frente dele, sentindo as mãoszinhas tocarem seu rosto enquanto as dela abraçavam a cintura pequena. "Eu vou até o studio com a tia Nes e você espera a gente aqui, tudo bem?" Viu ele assentir empolgado, fazendo um carinho pequeno em seu rosto. " 'Vo fazer um desenho pra você, mamma." A vozinha de criança respondeu, fazendo Graziella se inclinar para deixar um beijo demorado no meio da testa alheia, sentindo toda aquela mistura de sentimentos negativos e positivos quando se tratava do filho. Ficou de pé rapidamente, levando ele até a Ginevra e explicando sua agenda do dia e então virou para a melhor amiga. "Agora sou toda sua."
Já no spa, não hesitou em entrelaçar os braços com a amiga a fim de entrarem no espaço. A pequena menção a Olivia fez com que a italiana revirasse os olhos mas resolveu não comentar, afinal, era seu dia e não queria perder tempo com assuntos - e pessoas - irrelevantes em sua vida. A risada chegou até seus lábios com as palavras de Neslihan, mas segurou ao olhar para seu encontro, por um tempo antes de responder. "Quero um profissional, por favor." Por mais que fosse divertido fazer massagem na amiga, Graziella tinha certeza não saberia fazer igual a quem realmente trabalha com aquilo. "Homens, se possível. Não quero mulheres tocando no corpo dela." Disse olhando para Nes, deixando que todo o ciúme teatral transparecesse nos olhos verdes. Se era para brincar, que fosse fazendo direito.
entre o apelido abominado e a malícia estampada na expressão alheia , neslihan sentiu as íris faiscarem em desafio , um sorriso calculado o suficiente curvando os lábios. o epíteto era uma das formas mais certeiras de provocação – e camilo sabia disso. desde o instante em que ela cometera o deslize de demonstrar seu desgosto pela abreviação , ele parecia se deliciar em usá-lo com prazer sádico. era claro que ele queria irritá-la , até onde , ainda não havia decidido , e havia uma ínfima parte de si que ansiava por descobrir o limite entre ambos. nada que meros segundos na presença do mais velho não desfizesse , transformando qualquer semblante de curiosidade em uma nuvem de irritação. ❝ ah , carissimo , você ainda não sabe do que eu sou capaz ? ❞ o tom de sua voz era uma provocação tão evidente quanto as palavras escolhidas por ele momentos antes. era quase irresistível desafiá-lo , como se confrontar o ego do ricci fosse tão instintivo quanto respirar.
as orbes estreitaram ao acompanhar o percurso do olhar dele, sentindo-se exposta , estudada , como se pudesse ser decifrada com uma mera observação. impossível , homens como ele tinham um limiar de atenção tão diminuto quanto suas intenções eram previsíveis – a busca por troféus para massagearem o próprio ego. ainda assim , a marca que os castanhos deixavam em sua pele era inegável. sustentando a atenção masculina com uma mistura de desdém e diversão , ao contrário do que ele pudesse imaginar , com a destreza de uma amazona treinada desde a infância , ela já havia assumido as rédeas da situação. aproximou-se um passo , o suficiente para que o perfume feminino e a colônia masculina se mesclassem entre eles , a voz baixa em um tom quase confidencial. ❝ você parece confundir a minha atenção com um prêmio , mas não se engane — ao final do seu espetáculo , quem aquecerá minha cama não será você. ❞ outro passo à frente , as pernas quase se tocando , pegou uma das doses recém entregues , resvalando os lábios no vidro em um gesto que incorporava desafio. sorveu o líquido âmbar em um único gole , um sorriso curvando as feições.
❝ dedicar uma música ao seu fracasso agora me parece previsível demais. talvez eu deva escolher algo mais apropriado à sua natureza… ❞ o olhar percorreu-o lentamente , de cima a baixo , detendo-se como se em deliberação. ❝ you're so vain me soa como uma boa opção. ou , quem sabe , no scrubs. quase perfeita. ❞ inclinou o torso até que seus rostos estivessem a meros centímetros , suas respirações em uníssono pelo breve momento enquanto depositava o copo vazio com um tilintar contra a mesa. endireitou a postura com uma piscadela , lançando um beijo para matteo antes de prender os longos fios em um gesto casual. com confiança , marca da sua presença , virou-se em direção ao palco improvisado. ❝ para você , ricci ! espero que preste bastante atenção , porque não tenho o costume de repetir performances. ❞
os primeiros acordes de i'm that chick preencheram o espaço. a voz da gökçe , suave e provocativa , ecoou junto à melodia de mariah carey , capturando cada olhar presente. soltando os cabelos , antes presos estrategicamente , lançou-os para trás em um gesto que parecia uma declaração de êxtase. enquanto os saltos marcavam o compasso , aproximou-se de matteo , a destra escorregando pelo peitoral alheio , girando os quadris no ritmo da música. com um clique do grave , encarou a audiência , mantendo contato visual , um sorriso ladino sustentando cada passo. ensaiado pelo instinto , com os dígitos enredados na camiseta do mais novo , puxou-o para o palco , envolvendo os braços musculosos em sua cintura. usou-o como apoio para oscilar o corpo , acompanhando o groove com perfeição enquanto proclamava que seu sabor era tão doce quanto o de sorvete. os movimentos , precisos e calculados , incendiavam , e o loiro , finalmente rompendo seu estado de transe , ajustou as mãos ao longo do espaço entre costelas e quadril , encaixando beijos leves no pescoço feminino. os gestos , que normalmente a inflamariam , passaram despercebidos. o que fazia seu sangue vibrar era o triunfo , cada olhar fixo em si como um feitiço , e ela , o antídoto para a monotonia.
no último refrão , seus lábios enunciaram as palavras com clareza , como se fossem exclusivamente direcionadas a camilo. com o grave final , permitiu que o corpo fosse envolvido pela figura loira , as íris fixas às do moreno. o som da própria respiração e do sangue bombeando em seus tímpanos abafando a reação dos aplausos. com elegância desvencilhou-se de matteo , retornando à mesa originalmente para dois , a terceira cadeira uma intrusão em dissonância , com um sorriso doce desenhando as linhas femininas. ❝ não importa o quão encantadora você ache que sua teia é , algumas presas sabem exatamente onde estão pisando. ❞ o sussurro malicioso veio tão próximo que o calor da respiração de ambos se encontrou antes que ela recuasse. deixou escapar uma risada baixa antes de sentar-se novamente , um martini aparecendo como por encanto em suas palmas , refletindo as luzes do ambiente. brincando com o líquido , cruzou as pernas com um movimento deliberado. ❝ então , caro , sua curiosidade está saciada ou devo continuar ? como disse , é raro me repetir , mas se matteo estiver disposto , posso muito bem roubar a cena novamente enquanto você tenta acompanhar. ❞ movendo a taça para a direita , entrelaçou os dedos do loiro entre seus joelhos cruzados , um gesto em possessividade e provocação.
caso camilo se dispusesse a frequentar um terapeuta, provavelmente o escutaria racionalizar alguns mecanismos de defesa que o homem desenvolvera ao decorrer da vida, bem como ciclos viciosos aos quais ele estava preso. neslihan, para azar da própria moça, encaixava perfeitamente no tipo de situação em que o ricci acabava se colocando pela mera imaturidade emocional que alguém de sua idade não deveria ter. fosse ele menos traumatizado (ou ao menos capaz de lidar devidamente com seus traumas), provavelmente não depositaria tantos esforços naquela dinâmica, e certamente não estaria interrompendo o que era claramente um encontro - muito embora fosse visível a falta de química ali. e que não o entendessem errado: neslihan era exatamente o tipo de mulher que o atraía. tudo bem, ele também não tinha parâmetros tão rígidos e era mais do que comum vê-lo com todo tipo de pessoa. mas fato que, na lista de todas as suas preferências, gökçe gabaritava cada uma. desde detalhes menores como os olhos escuros e a altura acima da média, até coisas mais instigantes ainda como a personalidade forte e o temperamento colérico. mas naquele universo em que ele ainda era tão desequilibrado quanto podia ser, o que mais o instigava era o desafio e a auto validação que conquistá-la traria.
de modo geral, ele não era a pessoa mais competitiva do mundo, simplesmente porque um traço de personalidade desse exigiria esforços demais com muita frequencia. mas quando ele queria, sabia sim aplicar toda a sua energia em busca de uma vitória. naquele momento, por mais que pudessem pensar que a tal vitória vinha no formato da aposta, grande parte do seu real objetivo já havia sido conquistado. se ele receberia ou não a maior quantidade de palmas aquela noite (e tinha certeza de que o faria), já havia conseguido roubar neslihan do coitado que observava ainda perdido o caminho da conversa entre os dois conhecidos. o momento decisivo foram os segundos que antecederam as palavras da mais jovem, em que ricci não desviou o olhar do dela um momento sequer. ele sorriu com sua resposta; por mais que a frase estivesse repleta de desdém, ainda havia caído em sua teia. não se julgava mais esperto que neslihan, tampouco tinha a inocente crença de que a havia enganado ou qualquer coisa do tipo. sabia muito bem que, do mesmo modo que o ego de camilo se alimentava de toda a situação, o dela devia fazer o mesmo, pelo menos um pouco.
satisfeito com o rumo da conversa, ele ergueu o braço para pedir mais duas doses do uísque que havia roubado do loiro. "primeiro, não faça promessas que não pode cumprir, hani. e depois, há jeitos menos performáticos de calar a minha boca, mas acho que isso vai ser bem divertido de assistir." respondeu, o rosto iluminado por uma visível malícia. ergueu as sobrancelhas diante da proposta, apreciando a sugestão. antes de responder, porém, observou por sólidos segundos a figura agora em pé e ligeiramente inclinada de outrém, os olhos já escuros de camilo pareciam totalmente pretos enquanto percorriam cada centímetro de neslihan. "na verdade, você me deixou curiosíssimo para saber qual música dedicaria a mim." inclinou o próprio corpo para frente, ainda sentado, o olhar retornando ao dela. "além disso, não quero que me culpe quando você perder. então vai lá, me surpreenda."
por mais que tudo em khadel parecesse mergulhado no caos , a gökçe não podia simplesmente permitir que o restante do mundo cedesse ao mesmo estado de histeria . os olhos ardiam em cansaço , resultado de um dia extenuante de reuniões consecutivas — começando na prefeitura e terminando com a tarde , e noite , em sua alma mater . respirar o ar expansivo de siena , que um dia chamara de lar , trazia um misto de familiaridade e sufoco , como se ao deixar a atmosfera de khadel fosse posto um fardo em seus pulmões , comprimindo-os e corroendo o tecido aos poucos . àquela altura , o junior elettrica parecia quase capaz de dirigir sozinha no trajeto entre as duas cidades e ela mal notava o velocímetro ultrapassar os limites italianos , mas também não se importava . a estrada , vazia e envolta em um silêncio inquietante , a recordava de um cenário de thriller , e o isolamento contribuía para a tensão palpável de pairava no ar .
foi então que um borrão de luz na mesma faixa que percorria capturou seu olhar , trazendo uma pontada de consternação . movendo o carro para o acostamento , o motor elétrico permanecia tão silencioso quanto a noite . só quando a figura encoberta pela escuridão virou-se em sua direção com agressividade perceptível , a lanterna revelando uma arma no aperto firme de mãos pálidas , que neslihan deu-se conta da extensão do risco que corria . sozinha , à beira de uma estrada , à noite . deveria ter ponderado melhor , e atribuía a falta de discernimento ao cansaço esmagador e os últimos dias que pesavam sobre cada terminação nervosa de seu corpo , ainda que adrenalina começasse a entrar em suas veias . mas então o tom feminino alcançou seus tímpanos , e os ombros relaxaram suavemente . ❝ bom , eu estava prestes a oferecer ajuda , mas se tem tudo sob controle , posso simplesmente seguir meu caminho... ? ❞ semicerrou as pálpebras contra o incômodo causado pela claridade do celular , que parecia perfurar sua retina . então a silhueta tornou-se reconhecível . o simples vislumbre foi suficiente para trazer à tona a memória da revelação da maldita cachoeira que tentava suprimir , um arrepio resvalando em sua espinha . ❝ ei , maxine . não percebi que era você... e então ? ❞ com o polegar indicou o próprio veículo , enquanto uma das palmas tentavam conter o brilho excessivo de incomodar ainda mais os olhos .
@khdpontos
max voltava do hospital em destino a khadel para descansar do dia tão caótico e cansativo, seus pés pareciam brasas de tão quentes e latejantes, mas, o que estava lhe incomodando mais era a fome. por um momento lembrou-se de que não tinha uma unidade de pão em sua casa para poder comer e precisaria ir até algum local para comer. o caminho era tranquilo, uma estrada bem iluminada e familiar, mesmo se mudando a pouco tempo e ficando poucos anos de sua infancia por lá ela sentia bastante familiariedade. ouvia uma playlist de relaxamento quando seu carro começou a engasgar até parar, max girou a chave do carro algumas vezes pisando na embreagem e o mesmo nem sinal. a morena desceu do carro, já havia desistido dos seus sapatos e seus pés tocavam o chão. ao abrir o capô para verificar se havia algo de errado, suspeitou que pudesse ser algo relacionado com a bateria e torcia para não ser o motor. com muita dificuldade em enxergar, max tinha a lanterna de seu celular ligada e em poucos segundos ouvira passos proximos em sua direção, ela virou-se para trás sacando da chave de seu carro, destampando um canivete disfarçado pelo chaveiro. "o que você quer?" levantou seu celular para iluminar o local e aliviou-se por ser um rosto conhecido.
ou comente um emoji para um starter fechado!
✉️ : ao menos quando eu arrancar seu ego com as minhas unhas , saberá que foi o instinto animalesco que instigou em mim
✉️ : aceito que perdi por conta do seu roubo
✉️ : perfeitamente contente em ser o sr. darcy para você então
✉️ : será que o buzzfeed está aceitando que animais criem testes agora ? vou voluntariar chaz e virginia , eles seriam capazes de montar um melhor do que esse que fez
✉️ : sonharei com você quando tiver a intenção de ter mais pesadelos do que o costume
✉️ : e camilo ? gentileza perder o meu número e só me contatar via carta
📲 [milo]: sou conhecido por instigar instintos animalescos mesmo
📲 [milo]: estou na página 54, mas vou ter que voltar algumas. as que eu li ontem, suficiente dizer que eu estava meio fora de mim
📲 [milo]: fechada, orgulhosa, pouco acessível…
📲 [milo]: mas justa não sei. pra isso, você teria que aceitar que perdeu
📲 [milo]: eu sou a elizabeth! fiz até um quiz na internet, então é um fato cientificamente comprovado
📲 [milo]: e vai ser a melhor noite da sua ;)
📲 [milo]: te mando mensagem depois com os detalhes da reserva, agora vou continuar lendo, sra darcy
📲 [milo]: sonhe comigo
o frisson , habitual nos diálogos em que antecediam os fugazes encontros de atração carnal que escolhia compartilhar , parecia percorrer cada recanto do ambiente , exceto entre neslihan e matteo. a figura loira destoava de suas predileções habituais ; preferia os cabelos mais escuros e íris cálidas em tons de âmbar ou ébano , distantes do olhar glacial , quase translúcido , que comparava ao de um peixe recém abatido. tampouco a idade lhe era favorável , com dois anos a menos que seus próprios vinte e nove , ele possuía ao menos sete ou oito anos de experiência abaixo do que costumava considerar atraente — em homens , é claro , as expectativas para mulheres eram muito mais fáceis de serem alcançadas. as únicas ressalvas alheias que harmonizavam com os seus desejos se resumiam ao porte impressionante que a subjugava por mera presença , o timbre sólido e , sobretudo , o fato de ser um completo desconhecido. relacionar-se com estranhos era um hábito cultivado há muito , uma escolha imprudente que continuava a alimentar sua ânsia por adrenalina e pelo inesperado , pela surpresa oculta no inexplorado. era essa mistura de imprevisibilidade e intriga que sustentava o sorriso enigmático e os olhares sugestivos que lançava ao homem. restava aceitar aquele desleixo do destino — a menos que uma intervenção mística viesse a conspirar em seu favor.
com os lábios alheios moldando palavras que não passavam de ruído , seus pensamentos deslizavam para o estado de histeria que dominava a cidade. entre acenos estrategicamente calculados e murmúrios de concordância que preenchiam as lacunas , ela podia sempre confiar no ego masculino para sustentar uma conversa inteira com nada além do som da própria voz. o martini aguardado tornava-se sua verdadeira ambição naquela noite , muito mais do que a promessa de um desfecho que seria , sem dúvidas , insatisfatório. com a taça translúcida em mãos , o primeiro gole mal atiçava o paladar , quando sentiu a presença de camilo antes mesmo da familiar voz ecoar. a irritação emergiu automática , traduzida em um revirar de olhos exasperado e no ceder breve dos ombros a um suspiro fatigado. não era exatamente aquela intervenção mística que havia imaginado.
embora fosse indiscutivelmente grosseiro de sua parte , entre matteo e o ricci , os olhos escuros de neslihan , incendiados pela impaciência , seguiam meticulosamente os movimentos do mais velho. e antes mesmo de conseguir estabelecer conexão lógica entre a fala e o jogo de olhares alheio , camilo conseguia arrancar um impulso competitivo e o desejo de antagonizá-lo , tudo em uma única frase. com uma sobrancelha levemente arqueada, aguardou em silêncio tenso , capturando , de relance , a expressão de horror em seu encontro , antes de dignar a interrupção com uma resposta. ❝ se for para manter a sua boca fechada , aposto muito mais do que uma música. ❞ sabia que suas palavras seriam distorcidas antes mesmo de deixarem seus lábios , mas já era tarde demais. com um sorriso exageradamente enfatuado destinado a sua companhia perplexa , levantou-se , alinhando o vestido que escolhera com intenção e empurrando os fios para trás dos ombros , antes de voltar sua atenção para o moreno. ❝ no espírito de um jogo limpo , você pode até escolher a música que deseja que eu dedique ao seu fracasso , caro. ❞ pendendo o quadril ligeiramente para o lado , encaixou a destra na curva da cintura. estava mais do que disposta a cumprir sua promessa , calá-lo , nem que de maneira física… com a própria palma e um estalo seco contra a pele.
🎱 uma aposta com @neslihvns
“eu tô falando sério!” reforçou, com a expressão menos jocosa que ele conseguia. “opa, da uma licencinha aqui, campeão” disse, folgado como sempre, puxando uma cadeira para se sentar entre a jovem e seu encontro. sabia lá qual era o nome do rapaz que originalmente estivera na posição de acompanhante de neslihan e agora parecia confuso e devidamente ofendido por ter sido jogado para escanteio, e também não queria saber. o que importava era que agora os olhos grandes e bonitos da turca estavam em sua direção, brilhantes e escurecidos pela irritação, como ele bem gostava. camilo era mesmo um grande sem noção, mas era inegável que sabia chamar atenção. até mesmo alguém como neslihan, que certamente não tinha a menor intenção de ofender o loiro sem sal que observava a conversa alheia de braços cruzados, poderia encontrar dificuldades para ignorar a presença do ricci. não porque ele era exatamente irresistível; era só que ele era terrível e irremediavelmente insistente, mesmo. “é tudo sobre carisma e um grande espetáculo. qualquer um com uma voz meia boca pode ser famoso, se tiver personalidade o suficiente” piscou-lhe um dos olhos, dando a entender que ele tinha certeza de que, se quisesse, poderia ser uma celebridade. não havia começado aquele assunto por nenhum propósito específico, mas sorriu sozinho ao perceber que poderia usar o instinto da mais jovem de contraria-lo a todo custo a seu favor. “então vamos fazer uma aposta” disse, as mãos batendo na mesa e tremendo um pouco os copos que ali estavam. “quem conseguir mais aplausos, vence” apontou para o palco onde uma senhora cantava muito desafinadamente a música ‘dancing queen’, acompanhando a letra no telão do karaokê. “a não ser que tenha medo de perder, claro” e pegou o copo do rapaz, bebendo todo o restante do uísque que continha ali, dando uns tapinhas de agradecimento no ombro do homem embasbacado.
desde a mais tenra infância , neslihan fora moldada sob a rigidez do dever , envolta em ouro , mas contida por correntes invisíveis . sua existência sempre se definira por uma dolorosa dualidade , a necessidade de sentir em contraste com a imposição do autocontrole , o embate incessante entre o querer e o dever . esse conflito , enraizado em sua mente , tornara-se a fratura primordial que assombrava a parte mais sombria de seu passado . culpava , sim , a figura paterna por parte das feridas que lhe foram infligidas , algumas delas irreparáveis . no entanto , via na fragmentação de seu próprio ser uma obra cuja autoria também lhe pertencia . daquela tragédia , restara-lhe um âmago parcialmente enrijecido — sua visão de mundo tornara-se austera , seu julgamento sobre as pessoas , inflexível , e sua postura perante a própria existência , uma fortaleza intransponível . e camilo era o oposto exato de cada uma dessas certezas . para ele , tudo parecia fluido demais , como se suas convicções mudassem com a mesma facilidade com que trocava de roupas ao amanhecer , como se suas verdades fossem tão voláteis quanto os humores de um único dia .
ela não se iludia ao pensar que compreendia todas as nuances que o compunham, mas o conhecia o suficiente — anos de observação cuidadosa e encontros forçados ao lado de vincenzo ricci e aquele sobrinho haviam lhe dado a convicção de que alguém criado sob a tutela do patriarca dos ricci não poderia desviar-se tanto assim do molde original . não importava que ela própria fora forjada sob a sombra de um homem igualmente desprezível e , ainda assim , renunciara a cada valor que lhe fora incutido . não via nele a mesma ânsia de se libertar , a mesma necessidade de transcender a redoma em que cresceram . curioso como ela era capaz de vislumbrar potencial até nas circunstâncias mais desoladoras , mas quando se tratava das pessoas ao seu redor , seu olhar se tornava opaco . talvez fosse uma falha evidente para qualquer observador externo , mas naquele momento de sua vida , preferia envolver-se no véu confortável da negação . havia algo de insistente nessa postura , um reflexo interno que , por vezes , ameaçava ceder — mas então camilo lhe recordava exatamente por que isso jamais aconteceria .
bastava um gesto , um olhar carregado daquela insolência que a irritava profundamente , um simples pronunciar do apelido em seus lábios para inflamá-la de fúria… ou , se fosse brutalmente honesta , algo mais . ❝ vou providenciar . amanhã de manhã a lista completa estará na sua caixa de entrada . ❞ e assim o faria , nem que precisasse atravessar a madrugada compilando meticulosamente cada detalhe sobre o valor de cada gole do bourgogne . ❝ entendo . nem todos os homens conseguem portar-se com a sensualidade inerente de um jardineiro . ❞ a voz adquiria um timbre aveludado . ❝ todos aqueles músculos à mostra , o suor misturando-se ao aroma da terra molhada… uma essência irresistível . ❞ pareava a provocação dele , acrescentando um piscar de olho deliberado .
a observação alheia foi recebida com um sutil estreitar das íris castanhas , enquanto a sobrancelha dele se arqueava . ela seria a última a negar o que ele insinuava , por ser a mais pura verdade . o medo corria demasiado forte em suas veias para que pudesse ceder o controle e , mais uma vez , encontrar-se à deriva — presa em uma circunstância desconhecida , sozinha , dissociada de tudo que a compunha , sem sequer lembrar o que fizera para ferir quem quer que fosse . manter o domínio sobre qualquer situação que a envolvesse era a única forma de garantir que , se houvesse dor , ela fosse restrita a si mesma . ❝ não há nada demais em querer manter o controle . pelo contrário , é uma forma de satisfação como nenhuma outra . ❞ camilo não era o primeiro , e certamente não seria o último , a insinuar que sua existência dentro de uma bolha de restrições autoimpostas a condenava à infelicidade . mas vindo dele — com aquela despreocupação boêmia , aquela facilidade irritantemente leviana — , a fala ressoava como brasa queimando em seus pulmões . ❝ apreciar os prazeres da vida é uma coisa . ser completamente inconsequente ao fazê-lo é outra . saber dosar quando , como e onde os aproveito apenas prolonga a sensação de contentamento . não abro mão do que me satisfaz , apenas não me entrego aos impulsos como se o mundo fosse se desfazer em um piscar de olhos se não o fizer . ❞
levantou a taça quase vazia , deixando que o vinho deslizasse pelo paladar , apreciando a textura aveludada que o carmesim lhe proporcionava . ignorou o impulso de revirar os olhos , assim como a tentação de comentar sobre o sorriso alheio — embora , caso se permitisse um instante de análise , talvez concordasse . as palavras dele , ainda que envoltas naquele flair característico , traziam o peso de algo que lhe apertou a respiração por um breve instante , dissipando-se logo em seguida com um menear dos fios e a litania posterior . um riso seco escapou dos lábios ainda tingidos de rubro . ❝ tenho dificuldade em acreditar porque não sei se suas ações são genuínas , camilo . ❞ não se tratava de charme , como ele sugeria . a verdade era mais crua , neslihan simplesmente não sabia como reagir a ele de outra maneira que não fosse com ferocidade . não sabia se os gestos dele eram sinceros ou se carregavam as segundas intenções que pareciam reger cada um dos seus encontros , fosse naquele momento ou em qualquer outro .
com apenas duas palavras , o ricci dissipava o pulso inquieto que as provocações dele instigavam . havia algo na sinceridade que interrompia qualquer pensamento alheio naquele instante , deixando apenas um eco silencioso que se espalhava até as pontas dos dedos — uma sensação estrangeira . com um aceno hesitante , aceitou o pesar que ele oferecia . talvez aquele fosse um dos raros momentos em que poderiam ser genuínos um com o outro , sem a necessidade de pretextos . ela sequer era nascida quando a mãe de camilo fora internada e jovem demais para recordar-se do momento em que a doença lhe roubara a vida , mas a história era de conhecimento geral , e a morena sentia a perda dele como apenas quem já houvesse experimentado dor semelhante poderia compreender . imaginava que , para uma criança , a ausência materna fosse ainda mais avassaladora do que para um adulto — como fora em seu caso . mas mesmo tendo quase duas décadas a mais ao lado da própria mãe , por vezes parecia que münevver muito antes deixara de pertencer ao mundo dos vivos . a fisgada que a lembrança causava era lancinante , embora logo se dissolvesse diante da confusão provocada pelo gesto dele ao erguer a mão em sua direção .
o riso masculino percorrendo a extensão da pele exposta era o motivo por finalmente conceder , embora as palavras ditas em divertimento recobrassem a consciência de algo que não saberia nominar . com a palma aninhada no aperto alheio , neslihan inclinou-se , os dígitos formigando antes mesmo de entrarem em contato com os fios acetinados . seguiu o movimento conforme ele guiava , podia sentir o calor que ele irradiava subir pelos braços , até que o toque feminino encontrou o pequeno relevo , uma resistência sob a superfície . assentiu ao questionamento antes de pender a cabeça , enredando os dedos pela pele alheia enquanto ele explicava . a menção de um acidente — automobilístico , como aquele que ela mesma protagonizara — provocou um breve sobressalto com semelhança inesperada .
assim que sentiu o fragmento incrustado , poderia ter retirado a mão , encerrando ali a conexão , mas não o fez . não até que ele finalizasse , até que aumentasse a distância entre eles e desfizesse a leve pressão que os mantinha ligados . só então neslihan recolheu o braço , cerrando o punho de maneira quase imperceptível antes de repousá-lo no colo , onde o linho do guardanapo descansava sobre as pernas . desanuviando a garganta , que de súbito pareceu ressequida , indagou . ❝ e não te incomoda em nada ? não é perigoso que permaneça por todo esse tempo ? ❞ as perguntas saíam com mais curiosidade do que desejava , com uma preocupação que transparecia em excesso clareando a voz . embora ela própria não apresentasse sequelas físicas do acidente de tantos anos , as invisíveis a atormentavam mais do que qualquer cicatriz que pudesse ser vista .
esboçou um sorriso diante da colocação dele , embora os ombros permanecessem retesados sob o formigamento que ainda reverberava da palma para o restante do corpo . enquanto ele ponderava sobre o que compartilhar , por um longo momento , manteve as íris fixas na expressão distante que se instalava nas feições do mais velho . percebia , então , que já fazia algum tempo que seus olhos não sentiam a necessidade de se desviar da intensidade que camilo personificava . a constatação a fez quebrar o contato visual de imediato . refugiou-se no cristal vazio sobre a mesa , nos talheres de prata quase intocados , na comida negligenciada , no tecido carmesim que deslizava sobre suas pernas conforme as descruzava e cruzava no lado oposto . na tentativa de não ser consumida — seja lá pelo que estivesse tentando enraizar-se dentro dela naquele momento — precisou piscar algumas vezes quando a voz grave rompeu o silêncio , trazendo-a de volta à realidade antes que se perdesse nos próprios devaneios .
com a simples menção da fazenda , soube que a história recontada puxaria as cordas de seu coração . era inevitável . sabia bem o que ele fazia por aquele lugar e , se camilo tivesse consciência , entenderia que essa era a única fraqueza que poderia usar contra ela . o repuxar dos lábios se expandiu de forma quase natural , mas logo tomou um arco agridoce . amor . antes que ele enunciasse a palavra , ela já a havia formado em sua mente . a história que ele tecia era uma representação genuína do que o amor poderia ser , e pela primeira vez , talvez neslihan compreendesse um módico do que aquele sentimento mítico significava . com os olhos mais úmidos do que o tempo permitia , engoliu em seco antes de menear os fios levemente . ❝ que bom que ela escolheu a pessoa certa para cruzar o caminho . ❞ a sinceridade na entonação era mais palpável do que gostaria , mas já não se esforçava tanto para controlar cada flexão de sua voz , calcular cada gesto . ❝ e… ela está bem hoje ? foi adotada ou continua por lá ? ❞ não ousaria pedir que ele a mostrasse , fosse o caso , mas tinha a amizade de esperanza há tempo suficiente para saber que a mulher a guiaria mesmo sem um nome .
e então, mais uma vez , ele insistia em se esconder sob aquela fachada . já não restavam dúvidas de que era um disfarce — não para ela . ali , a forma como o ricci a vestia como uma segunda pele era escancarada , mais espessa do que a verdadeira , uma armadura que rivalizava com a que ela própria carregava , feita de controle e distância . ❝ não , ainda não tive o imenso privilégio de presenciar cena tão deplorável quanto ver mulheres se atirando em sua direção por conta de um sorriso bonito e um animal adorável nos seus braços . ❞ mesmo com a sobrancelha arqueada em ironia , as palavras não carregavam a mesma mordida usual .
com uma mordiscada na mozzarella , permitiu que o sabor suave , amanteigado e fresco se espalhasse pelo palato . tomando o cristal entre os dedos , levou-o aos lábios , sorvendo o líquido por completo antes de ceder-se a mais uma dosagem do grand cru . permaneceu em silêncio por alguns instantes , recuperando a memória exata do momento em que uma decisão infantil selara algo que a acompanharia até a morte . ❝ bem , tinha exatos seis anos . era o dia do meu aniversário e , como sempre , um banquete era esperado . não importava que , entre os convidados , houvesse mais parceiros de negócios do meu pai do que amigos meus — liv estava lá , e era a única . ❞ concedeu brevemente , antes que a lembrança a puxasse de volta . ❝ estávamos brincando , a contragosto de muitos , porque onde já se viu uma criança querer brincar na própria festa ? e , sem querer , acabei entrando na cozinha . era um território proibido nos dias de comemoração . ❞
hesitou por um instante antes de continuar . ❝ e diante dos meus olhos , estava o cozinheiro abatendo alguns coelhos , enquanto partes de cordeiros , em diferentes estados , espalhavam-se pelas panelas e ilhas . lembro de sentir um pedaço de mim se esvaindo junto deles , e ali prometi que jamais compactuaria com aquilo . ❞ a voz , ainda que suave , conotava a mesma firmeza de quando tinha a pouca idade . ❝ palavras fortes para uma criança que dependia dos outros para se alimentar . no início foi... complicado , mas uma vez que meu pai percebeu que aquela era uma batalha perdida , tive gioconda ao meu lado . ❞ omitia a parte em que o homem a deixara dias sem comer como punição , ou quantas vezes precisou desmaiar de fome diante dos conhecidos dele até que sua vitória fosse concedida . aqueles detalhes camilo não precisava saber . tampouco que , ironicamente , a recordação estava entre as mais felizes que guardava sob o teto dos şahverdi — puramente ligada à presença da cozinheira que lhe ensinara tudo o que ainda recordava no presente .
tomando mais um gole do vinho , levou a manicure até o queixo , como se pensasse profundamente a questão seguinte . ❝ se você pudesse mudar apenas uma coisa na sua vida , o que seria ? ❞ já que a proposta inicial dele , ainda que dúbia , era se conhecerem , neslihan não se manteria na superfície rasa onde ele parecia querer conduzi-la . ainda que , até ali , nenhuma resposta dela — ou dele — tivesse sido menos do que carregada .
o problema de pessoas como neslihan era que através de suas lentes duramente arbitrárias, por vezes colocavam-se em um lugar de condescendência que as cegavam para qualquer não obviedade. camilo podia não ser o maior filantropo (ou sequer ser considerado um de qualquer modo), mas antes de qualquer coisa, o ricci não saía de seu caminho para prejudicar ninguém. não era um homem bom, mas será que era justo considerá-lo um homem mau? egocêntrico, sim. superficial, com toda certeza. mas no final das contas, não havia verdadeira maldade nele. o trabalho com os animais poderia ser um bom indicador de que ele não era fisicamente incapaz de fazer o bem, e por mais que muitos pensassem que aquilo não passava de uma fachada, neslihan o observara na fazenda vezes o suficiente para reconhecer a autenticidade de suas intenções. assim ele presumia, pelo menos. ‘se mudar a vida de uma única pessoa, já terá feito mais do que espero de você.’ o sorriso quase vacilou, a postura alheia e os dizeres descrentes o atingiram um pouco mais do que estava disposto a demonstrar. camilo podia se considerar o centro do próprio mundo e priorizar a si mesmo com frequência, mas estava absolutamente distante do exemplo de amor próprio. alguém tão indulgente em pecados do mundo, tão irresponsável e auto destrutivo não poderia ter qualquer carinho sincero por si mesmo. o olhar da turca o recordou, por alguns segundos, que aquela era simplesmente a sua sina: sempre esperariam o pior dele. sua família, seus colegas, desconhecidos, todos. palavras que ouvira por anos de seu pai reverberaram no fundo da mente, mas balançou a cabeça em uma tentativa de afastá-las. não era momento de auto piedade. chegou a pensar em valentina, em como se dedicara nos últimos dez anos para garantir que a garota tivesse as melhores oportunidades. poderia ele considerar que havia ajudado a melhorar uma vida, quando também fora responsável por destruí-la antes? “por que não faz uma lista, hani? assim não deixamos nada disso escapar.” afirmou, beirando a provocação, embora ainda fosse sincero. “eu só prefiro ter alguém para plantar as árvores. não fico bem de jardineiro”
a resposta a respeito de suas vontades fora intrigante. “são palavras demais pra dizer que você tem medo de perder o controle” devolveu, arqueando uma sobrancelha. se camilo era excessivamente indulgente, neslihan parecia o oposto. como se transformar a vida em uma sucessão de represálias fosse nobre. “existe muito valor na liberdade de admitir que a vida vale a pena pelos prazeres que proporciona. em reconhecer que você não é melhor que ninguém por abrir mão disso, só… menos feliz” deu de ombros, finalizando o conteúdo da taça. não evitou uma risada sincera com o comentário seguinte, assentindo em concordância. “o que posso dizer? meu sorriso é muito bonito” dessa vez havia leveza no tom, demonstrando que pelo menos naquele ponto ela havia vencido o embate de provocações certeiras e ininterruptas. “nah. prefiro algo mais…” gesticulou para ambos, indicando que falava sobre o encontro. “…estimulante.” a conversa entre eles era sempre interessante, afinal. “duvido que você acredite em qualquer gentileza da minha parte, neslihan” e somente poderia torcer para sua inclinação dramática lhe conferir a mesma qualidade de um ator ao tentar disfarçar o resquício de ressentimento em sua frase. “até porque, convenhamos, é o que estou fazendo a noite toda e você continua convencida do contrário” o carro, os elogios, o menu, a água, a mesa na parte externa… não havia sido menos do que gentil até então. vulgar, quem sabe, mas certamente longe da grosseria. “mas tudo bem. faz parte do seu charme” complementou, piscando um dos olhos.
esperou uma resposta evasiva, ou uma história de pouca importância. o ocorrido descrito pela gökçe apenas provava que muito embora ele soubesse interpretar pequenos sinais muito bem, estava longe de considerar que a conhecia o suficiente. pego de surpresa diante da franqueza, ouviu com atenção. a informação da morte de sua mãe não era inédita (todos sabiam naquela cidadezinha), mas não pôde evitar se abalar com o assunto. era seu calcanhar de aquiles, mesmo. “sinto muito” e de tudo o que havia falado a noite inteira, aquelas duas palavras provavelmente carregavam a maior carga de honestidade até então. nem havia notado que mal se dedicara à comida exposta a sua frente, dada tamanha atenção que a mulher detinha. ainda que o assunto da morte da figura materna fosse o que mais lhe havia chamado atenção, não deixou de perceber a coincidência escondida na menção de um acidente. assim que a pergunta foi devolvida, ele soube exatamente o que contar. estendeu a própria mão, pedindo a dela. riu quando notou a confusão e receio nos olhos alheios. “não vou morder. nem te pedir em casamento. prometo” e esperou que a jovem colocasse a mão sobre a dele. assim que o fizera, camilo a levou até a parte de trás da própria cabeça, pouco acima da nuca, entre os fios escuros. tateou o local com a mão feminina, até o indicador da mais nova encostar em uma pequena protuberância que facilmente passaria despercebida. “sentiu?” aguardou alguma confirmação. “é um fragmento bem pequeno de vidro, de um acidente de carro há uns bons anos. era mais perigoso uma cirurgia para retirar do que não fazer nada. então decidiram deixá-lo” era um lembrete dolorido do passado; do enorme erro cometido. não comentou sobre como o acidente havia ocorrido e nem o fato de não estar sozinho na ocasião. aquilo, por hora, ainda preferia manter em segredo. “para ser justo, a equipe médica que me atendeu também sabe disso. mas eu nunca contei, eles só estavam lá” brincou, soltando sua mão e finalmente provando a comida disposta à sua frente.
“uma ótima pergunta” reconheceu, reclinando-se para pensar melhor. já havia vivido tanto, feito tanta coisa… o que, de fato, o havia surpreendido? não sabia quanto tempo havia ficado em silêncio, perdido em pensamentos, mas quando se deu conta a resposta desencadeou a deixar os lábios sem qualquer auto controle. “sabe que a fazenda começou por uma ideia do meu pai? por um motivo... menos do que nobre. quer dizer, eu sempre gostei de animais, mas demorou um pouco até eu me envolver de verdade. no começo era só uma tarefa que eu tinha que executar." explicou de início, a fim de contextualizar a história que estava por vir. "então teve um dia que eu estava caminhando bem no meio das árvores, ali no final da propriedade, perto do lago. uma cachorrinha apareceu. veio até mim, direto, sem medo. estava tão magra que dava pra ver cada osso, tão suja que eu tive dificuldade de saber qual cor era o pelo. tinha um machucado na perna que não parecia recente, mas estava longe de cicatrizar. eu pensei em levá-la comigo, dar comida, cuidar, como fazíamos com todos os animais ali. mas quando tentava pegar no colo, ela não deixava. e não era que ela não me deixava encostar nela! só não me deixava tirar ela do lugar, mesmo. se eu tentava, ela colocava todo o peso pra baixo. nem sei de onde ela tirava força pra isso. então eu entendi que ela não queria me acompanhar, queria que eu a acompanhasse. quando eu finalmente deixei ela me guiar, correu até um buraco cavado atrás de um tronco de árvore caída, uns metros adiante. no buraco tinha um filhotinho pequeno e quase tão magro quanto ela. quando eu peguei ele no colo, ela desmaiou, como se finalmente a força dela tivesse acabado." lembrava-se de achar que o animal havia falecido, na ocasião.
"levei os dois correndo até o veterinário da fazenda e ele disse que, pela situação que a cadelinha estava, toda a força e energia que ela teve pra salvar o filhote foi praticamente um milagre.” pausou, como se pudesse ver na sua frente a imagem da cachorrinha sarnenta e magricela. ergueu a mão como que em rendição. “culpe a maldição, se quiser, mas foi a primeira vez que eu…" pensou em como explicar, a testa franzindo enquanto ele achava as palavras. "bom, foi a primeira vez que eu realmente vi amor” ele podia nunca ter sentido nada parecido, mas era inegável o que havia presenciado. “ foi depois desse dia que eu passei a levar a fazenda a sério” acrescentou, um último comentário antes de perceber o peso da história que lhe escapara. “além disso, já viu como as mulheres me olham quando eu estou com um filhotinho na mão? é um afrodisíaco natural” certo, aquilo deveria equilibrar um pouco a situação, possivelmente. serviu a ambos um pouco mais do vinho. “mas então, há quanto tempo é vegetariana?” parecia uma pergunta segura e suficientemente impessoal, para variar.
✉️ : é impossível manter a civilidade com você
✉️ : ...
✉️ : e quantas páginas você já leu ? vinte ?
✉️ : se parecer com sr. darcy você se refere a uma pessoa estimada , valiosa , justa , com princípios e livre para ser e fazer o que quiser , sim , eu sou exatamente o sr. darcy
✉️ : já você , parece a sra. bennet
✉️ : quando terminar orgulho e preconceito , sugiro morro dos ventos uivantes
✉️ : realmente , útil para conseguir processos de assédio e atentado ao pudor
✉️ : eu espero que você saiba que vai ser a pior noite da sua vida
✉️ : um completo pesadelo
📲 [milo]: haha you wish
📲 [milo]: atração? você já me mandou à merda com mais fogo do que beijou ele aquela noite
📲 [milo]: é claro que levarei! mas primeiro tem o brunch que eu prometi. aparentemente, as mulheres do clube do livro querem me conhecer
📲 [milo]: ja leu orgulho e preconceito? comecei esses dias
📲 [milo]: você parece o mr darcy
📲 [milo]: anotado: você quer amarrar minha boca. podemos fazer acontecer, mas eu te garanto que sou muito mais útil com ela livre
📲 [milo]: tarde demais. já tá decidido
📲 [milo]: você perdeu, darcy, agora vá escolher seu vestido para o encontro, mesmo que seu parceiro seja apenas tolerável
sob a penumbra das luzes fluorescentes , o coração de neslihan pulsava com uma intensidade incomum , como se buscasse , em seu próprio ritmo , uma fuga para o labirinto em que ela o aprisionara , amordaçado e vendado . seu olhar vagueava pelas feições que surgiam e desapareciam , tão volúveis quanto o bruxulear das velas , dançando ao sabor de um vento suave que acariciava o ambiente como um toque de afeição . a gökçe proferia as palavras por obrigação , a mente ainda presa nas sombras do que enfrentara por dias para conseguir o broche nas mãos de pasqualina . a entonação era tênue , como a convicção de que algo ali fosse verdadeiro , mesmo que o porta-retratos , com a fotografia de uma infância há muito vivida , parecesse irradiar calor para a palma única , ainda em cicatrização , que o mantinha em um firme aperto .
e então , a mesma sensação que a envolvera ao tocar o objeto guardado pelo gelo e pela neve ressurgiu em seu corpo , um peso ancestral sobre seus ombros e a atmosfera quase tangível que arrepiava sua pele , como se ela estivesse de volta às temperaturas glaciais . vozes , estranhas e desconexas , ecoavam em seus ouvidos , os timbres e falas imprecisos demais para fazer qualquer sentido — reverberando dolorosamente nos ossos femininos , simultaneamente misteriosamente familiares e estranhamente distantes . as íris que pouco antes haviam revirado diante da teatralidade de zafira , agora tremulavam por um motivo completamente diferente . a angústia por algo inexplicável substituía o oxigênio nos pulmões da turca , restringindo suas respirações com uma apreensão sufocante e desespero . os sentimentos não lhe eram estranhos , mas ali não havia razão aparente para existirem , bem como a sensação lancinante que se espalhava por seus nervos , fazendo as cicatrizes em sua palma vibrarem junto ao ombro deslocado em aflição aguda .
por uma eternidade que se estendeu pelo que pareceu ser um século , seu corpo se tensionava sob o vigor das emoções à deriva , até o cintilar muto de nove das velas se extinguir e cessar qualquer noção . para a única chama ainda acesa , alívio fisgou neslihan . com uma respiração profunda — a primeira talvez desde que tomara a posse de serena — , assentiu para si mesma , irritação retornando ao resvalar o olhar com o de camilo . mesmo que não acreditasse na encenação que se desenrolava , não era de seu feitio exalar ao universo o que não esperava que se concretizasse . ter os dois unidos , mesmo que por objetos pertencentes a um casal trágico do passado , era uma ideia desastrosa — especialmente considerando as reações que a simples presença dele vinha suscitando nela desde o jantar . não importava que um aperto se formara instantaneamente na base de sua espinha ao ver o brilho alaranjado da chama oscilando sobre a parafina de uma única vela . o que à turca realmente importava era que , mais uma vez , seu ceticismo havia sido validado , embora , dessa vez , às custas de olhares melancólicos e expressões abaladas de alguns .
@khdpontos
os dias que antecederam o fatídico encontro com camilo desenrolaram-se como um prelúdio de estranha quietude , e neslihan deveria ter decifrado a calmaria da como a bonança que precede uma tempestade . a dança travada entre ela e o homem era uma composição de espinhos e pétalas , um ritmo de contradições , que ao mesmo tempo que a avivava , se entrelaçava com receio e a noção de que tudo nada mais era que uma miragem . sob o disfarce da aposta e a justificava da suposta maldição que os unia , embora soubesse que não passava de um jogo de caprichos e vontades , havia pouco o que pudesse ser contestado , não com o ricci envolvido na trama e sua palavra em linha .
relendo pela oitava vez a mensagem que detalhava os planos para a noite , soltou um suspiro , o gesto carregado de resignação e com um toque apreensivo . não pelo que certamente a esperava , o conhecia e as expectativas não eram grandiosas . não , a gökçe , quando devidamente preparada , habituara a pressupor o mínimo de camilo para evitar ter decepção como o único sentimento correndo em suas veias além da ira latente . o que levava ao real motivo da inquietude . o algo a mais que parecia residir nos olhos castanhos do homem — o brilho sagaz , a gentileza involuntária revelada nos pequenos gestos de acolher e proteger animais — e que ele insistia em ocultar , fazendo-a questionar a verdadeira profundidade do homem . seria ele capaz de enxergar além , perceber o tormento que ainda regia o interior feminino , ter um olhar mais crítico do que demonstrava com o egocentrismo típico de um herdeiro acostumado a excessos .
vermelho , neslihan não trajava apenas uma cor , mas uma armadura . a exuberância da tonalidade distrairia breves atenções , desviando-os do corpo . longe dos hematomas amarelados e púrpuras que salpicavam o lado direito das costelas , cuidadosamente ocultos pelo corte estratégico que evidenciava a pele oposta . a seda luxuosa deslisava suavemente sobre a pele , sem abrasar os pequenos cortes que trilhavam a extensão entre quadril e coxa , também velados pela fenda que se abria expondo a perna oposta . um artifício de ilusões , uma arte que dominava desde o momento em que nascera uma şahverdi . os dígitos da destra , adornados pelos anéis de herança materna , descendiam pelo tecido enquanto as íris permaneciam fixas às janelas da villa , em espera da interrupção do interfone conectando os portões de ferro ao interior terracota .
com a canhota entremeava os dedos no pelo aveludado de mark , que a vinha perseguindo como uma sombra protetora desde a sua queda . afagando o animal , desvinculou-se do peso sobre o seu colo com o surgir do par de faróis à distância . apressou-se para abrir a barreira , os saltos em camurça a carregando porta afora , aguardando-o contornar a entrada . o sorriso oferecido era genuíno ao rosto repleto de linhas do tempo , os fios prateados reluzindo ao abrir-lhe a porta do veículo . ❝ grazie mille , signore . ❞ aceitando a palma calorosa como apoio , viu-se envolta pelo interior luxuoso , a conversa em tom animado a acalentando e fazendo o trajeto desaparecer com um pestanejo .
entretida pela cadência do timbre rouco contando histórias de seus netos , neslihan acompanhou a figura levemente curvada até que ele estendesse uma mão novamente , assegurando sua saída . com os lábios ainda presos em humor , não foi até que a exclamação de camilo ecoasse , que percebeu que ali ele estava , as vestes inteiramente pretas destacando o bronzeado da pele . com o elogio soando verdadeiro em seus ouvidos , o sorriso que havia caído retornou , surpreso . deliberando sobre a exigência feita quanto a refrear seu temperamento sanguíneo , girou lentamente em seus calcanhares , o riso escapando mais natural do que antecipava . o recorte pairava logo acima das costelas , alto o suficiente para quase nada revelar na baixa iluminação noturna . ❝ você também está muito... charmoso . ❞ o reconhecimento saía em hesitação , delongando-se no adjetivo , ainda que tivesse de admitir que os óculos conferiam um toque de charme na expressão usualmente presunçosa .
atendo-se ao braço que era oferecido , permitiu-se acompanhá-lo , o calor alheio e a proximidade provocando consciência incômoda na pele . com a sugestão polida , solevou uma das sobrancelhas em diversão . ❝ oh , não . prefiro a área externa , o ar livre será meu maior aliado hoje . ❞ flexionando a palma que segurava a bolsa , a postura enrijeceu-se com as próximas palavras , a outra sobrancelha arqueando . ❝ como você se lembra que eu sou vegetariana ? ❞ embora a dieta não fosse um segredo , o fato dele recordar-se e assegurar que as necessidades dela fossem acomodadas...
um pensamento alarmante a atingiu . antes não cogitava por um minuto que camilo pudesse levar a sério a busca por sua alma gêmea , e a noção era o que a tinha feito aquiescer tão facilmente . mas... seria possível que ele realmente acreditasse no amor perdido há gerações ? e o mais aterrador , poderia ele considerar que eles fossem destinados um do outro ? a consideração a fez ter um acesso de tosse , o som quase histérico , e precisou impedi-lo de adentrar il giardino — onde inúmeros olhares já os fitavam — com as unhas flexionando sobre o tecido escuro . tomando longas respirações tingidas de um leve pânico , não permitiu que ele a questionasse ou sequer oferecesse consolo . assentindo , seguiu em direção ao maître d' aguardando , os lábios forçados formando o sobrenome masculino , antes de serem guiados até o romântico ambiente , aceso com velas e o aroma de rosas permeando .
subestimá-lo havia sido um erro , neslihan deveria ter se preparado para uma guerra . a única saída era ser tão encantadora e desprovida de qualquer semelhança com o seu eu , a ponto de assustá-lo . ❝ então , podemos começar com uma taça ? ❞ a voz era doce e o pedido de permissão formava um arrepio em sua espinha . agradecendo à carta que o cameriere depositava nas mãos de ambos — um olhar esperançoso por detrás da expressão neutra que ele adotava — , pousou as íris no ricci , com uma leve inclinação de cabeça , sorrindo . ❝ imagino que você conheça os melhores , e tenho certeza que escolherá o perfeito para harmonizar com… o que tenha planejado ! ❞ com o toque trêmulo pela ansiedade abaixou o papel linho . ❝ o que sugere , milo ? ❞ o apelido era um que ela nunca havia utilizado , mas ouvira vez ou outra ser proferido com carinho e , ali , o aderia com naturalidade .
DINNER DATE at Il Giardino
with. @neslihvns
na direção do restaurante, camilo não pensava muito sobre a maldição, almas gêmeas ou o ocorrido naquela noite misteriosa. como se recuperasse finalmente um pequeno resquício da sua vida antes daquela notícia, ricci dirigia divertindo-se com a simples ideia de que aquele encontro representava sua vitória de alguns dias antes. e ele sabia que seria deliciosamente interessante testemunhar neslihan ser agradável consigo, contrariando seu instinto feroz que geralmente não falhava em colocá-lo em seu devido lugar. como tudo que envolvia os dois, toda a situação em que se encontravam não era mais do que uma briga de egos. eles tinham palavra suficiente para honrar a aposta, até mesmo camilo teria obedecido qualquer que fosse a exigência alheia, e portanto sabia que a turca não falharia. mas verdade fosse dita, a proposta do encontro não tinha um verdadeiro envolvimento com as questões recentemente levantadas a respeito de como eles poderiam estar envolvidos na lenda da maldição de khadel. milo não achava que a gökçe era sua alma gêmea, e sinceramente, nem queria achar. um ano para descobrir quem seria seu verdadeiro amor? impossível. preferia focar em algo muito mais concreto: traduzir, eventualmente, toda a inquietude alheia diante de sua presença em uma inevitável química, levá-la para cama, e finalmente riscar o nome de seu caderninho. mais cedo, solicitou que um motorista a buscasse em sua residência, e aguardou do lado de fora do restaurante a sua chegada. ao estacionar do carro, o motorista chegou até a porta antes que camilo o pudesse fazer, e assim ricci ficou, parado no meio do caminho, observando a figura magnética que deixava o automóvel em um vestido que parecia ter sido feito para uso exclusivo de neslihan gökçe. “uau” escapou-lhe, passando a mão pelo próprio peito como se desamassasse a peça de roupa, mas na verdade buscava mandar um aviso discreto para que o corpo diminuísse um pouco a palpitação no peitoral. piscou algumas vezes antes de voltar a se concentrar, e caminhou até a jovem sem demora. “você está… estonteante.” ele já estava na vantagem ali, certo? que mal fazia um elogio sincero? não era como se neslihan não soubesse o quão atraente era. talvez ela aguardasse algum comentário engraçadinho e presunçoso, até por ter exigido que ela lhe oferecesse simpatia independente de como ele se comportasse, mas sabia que somente havia uma forma de pega-la desprevenida: ser agradável. pelo menos até sentarem à mesa. ofereceu o braço para que caminhassem juntos até a entrada do restaurante. “escolhi a mesa do lado de fora, mas eles podem mudar, se você preferir” a música no ambiente interno era boa, mas estar ao ar livre parecia mais agradável. imaginava, pelo que conhecia dela, que a morena também escolheria o mesmo. “e já confirmei também o cardápio. as opções, para nossa mesa, são todas vegetarianas. até as minhas, então não precisa se preocupar” sorte a dele que sua má fama faria a mulher pensar que tais esforços eram apenas charme temporário: imaginem se descobrissem que as vezes camilo ricci conseguia pensar em outra pessoa além dele? “vamos?”
o desconforto os envolvia com a mesma intensidade dos acordes vibrantes que ecoavam à medida que se aproximavam das imponentes portas de vidro pivotantes . ❝ verdade , mas você quase nunca contou com a minha determinação nessas circunstâncias. ❞ a gökçe era capaz de tudo para não se permitir vulnerabilidades ou se colocar em situações em que não pudesse exercer qualquer módico de controle . não que dançar com aaron caracterizava algo naquelas linhas — já haviam sido pares inúmeras vezes nas recepções da família durante a adolescência — , tampouco o desafio de um ritmo latino complexo , cujos passos exigiam uma maestria improvável para ambos , era o verdadeiro problema . o que realmente a inquietava eram os olhos atentos e os sussurros que os acompanhariam se qualquer passo em falso entre eles decorresse . ela já os havia enfrentado com os nervos por um fio anteriormente com christopher , expostos como estavam no coreto . dado o receio de se expor daquela maneira , seria intrigante conciliar a relutância com a postura de uma advogada bem-sucedida , habituada a enfrentar olhares e julgamentos enquanto defendia suas convicções com destemor . a diferença crucial estava na natureza da atenção que recebia , no tribunal , era a profissional sendo avaliada . ali era sua vida pessoal sob escrutínio — um aspecto que sempre zelara em preservar sob sete chaves , ainda que em khadel , o esforço para tal era uma tarefa quase hercúlea .
com um breve aceno , cedia ao inevitável . pelo entusiasmo que já percebia nos rostos dos instrutores que os aguardavam , estava claro que teriam ao menos que tentar . porém , a pergunta a fez interromper o passo antes de atravessarem o limiar do que parecia ser um vórtice , prestes a lançá-los no olho da tempestade . ❝ não sei se você subestima minha racionalidade ou superestima minha irracionalidade . mas… bem , não me dei ao luxo de cogitar que tudo isso possa ser real . ❞ não depois de já ter se ferido o suficiente para permitir que sua mente vagueasse por essa possibilidade mais uma vez . suspirou , desta vez com um peso diferente , mais denso que a mera exasperação anterior , os ombros antes impecavelmente erguidos cedendo sutilmente à gravidade do pensamento . ❝ sei exatamente o que quer dizer , mas se tudo for verdade e eu estiver equivocada no meu ceticismo , o universo fazendo de mim uma ironia cósmica , você sabe que almas gêmeas não precisam , necessariamente , ser amantes , não sabe ? ❞ se o amor era algo real e tangível , se era , de fato , necessário , neslihan acreditava que ele poderia se manifestar de formas distintas além da romântica . se essa era uma brecha nas palavras da maldição , por mais remota que fosse , talvez houvesse espaço para um afeto platônico. ❝ e eu sinceramente gostaria de não me sentir ofendida pelo fato de você considerar assustadora a possibilidade . seríamos imensamente felizes pelo resto de nossas vidas . ❞ a declaração era entrelaçada com humor , e , no fundo , ela acreditava poder ser uma verdade .
Aaron expirou lentamente, sem se dar ao trabalho de esconder o ceticismo com toda aquela situação. Mas não era um ceticismo total, claro, já que ele fazia um esforço de estar ali e realmente estava começando a ficar engajado em toda aquela história de "encontrar a alma gêmea". Observou o estúdio à sua frente, a música animada que escapava pelas frestas da porta, e depois olhou para Nes, que parecia muito mais resignada do que deveria estar. "Se essa fosse uma solução viável, eu já teria tentado em várias outras situações da minha vida." Ele permitiu que ela entrelaçasse o braço no dele, sem protesto, mas ainda visivelmente um tanto desconfortável. Ainda que tivessem dançado inúmeras vezes ao longo da vida, achava um pouco estranho considerar aquilo no contexto do encontro. "Infelizmente, acho que vamos ter que dançar de verdade." Aaron não era exatamente descoordenado, mas também nunca havia se colocado na posição de alguém que dançava salsa – e muito menos em um contexto em que a cidade inteira torcia para que aquilo fosse um passo em direção à sua alma gêmea. Ele lançou um olhar de canto para Nes, ainda contemplando a ideia absurda. "Você já pensou nisso?" perguntou, casual, mas com algo mais na voz. "Se essa coisa toda estiver certa, e a gente for, de fato, compatível?" Foi a vez dele de soltar um sorriso discreto – um que não se espalhou completamente pelo rosto. "Não sei se fico aliviado ou assustado. Você entende o que quero dizer, não entende?" Riu um pouco, pelo inesperado da situação.
𝒕𝒉𝒆 𝒂𝒄𝒕𝒊𝒗𝒊𝒔𝒕 ! neslihan gökçe , 29 , human rights lawyer . can you hear my heart beating like a hammer ?
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