Deu um sorriso de satisfação ao ouvi-lo dizer que aquele era seu inferno pessoal. Não havia sido a sua intenção, porém Matteo deveria se parabenizar todas as vezes que acidentalmente destruía o humor de Camilo. Não que fosse difícil. Sua mera existência parecia encher o saco do outro. O sentimento era mútuo, mas ao contrário de Camilo, ele não saia do seu caminho para atormentá-lo, como sentia que seu nêmesis fazia. Parte dele achava que Camilo se divertia com aquilo, assim como as crianças que adoravam fazer bullying no passado. Então poderia ser que o que ele dizia ali era apenas para atingi-lo e não se importava com as imagens. Porém, se tivesse a mínima chance de que ele realmente estivesse incomodado, Matteo passaria o resto da noite ao lado de uma das fotos. Encarou o champanhe em sua mão, tentado a virá-lo de uma só vez, mas se bebesse todas às vezes que Milo enchesse seu saco, estaria em Sodoma na depravação, onde Camilo Ricci era o prefeito. Ao contrário do outro, Matteo era muito disciplinado para cair naquela tentação. A sua disciplina era o que havia ajudado-o a chegar aonde havia chegado e conquistar o que tinha. As pessoas como Camilo tinham tudo, desde sempre, então era fácil acreditar que o mundo devia algo a eles. Não podiam ser mais diferentes. "Bem, Camilo, você não precisa ficar aqui. Pode fazer sua generosa contribuição e ir pular a cerca de alguma mulher casada," alfinetou, apesar de não ser nada além da realidade.
Naquele instante, Matteo adoraria ter alguns pontos a menos no QI para sequer perceber que o homem falava com ele. Seria tão mais fácil ignorá-lo. Matteo forçou um sorriso, questionando-se poderia ignorá-lo de alguma forma, mas Camilo sabia muito bem como fazer sua presença ser impossível de desconsider. Se soubesse que Camilo estava envolvido de alguma forma com aquele evento, ele teria mandado enfiar o contrato em um lugar desagradável, mas em nenhuma das suas negociações, o que ele admitia não foram muitas já que a maior parte do que fez havia sido sem nenhuma forma de pagamento, ele desconfiou que Camilo estava envolvido com isso. Afinal, a única coisa pela qual o homem se importava era ele mesmo. 'Vira-lata são os que mais causam comoção'. Era ridículo que as palavras de Camilo pudessem o afetar quando ele detestava o homem. Se tinham uma personificação de tudo que Matteo não gostaria de ser, era Camilo. Libertinagem vestido em ternos que valiam mais que o salário anual da sua mãe, falta de senso comum e uma capacidade de irritar provavelmente até o mais calmo entre os residentes de Khadel. Por que alguém iria querer ser como Camilo? A única coisa que poderia pensar era pelo dinheiro, mas a maioria dos residentes em Khadel eram bem afortunados e aos que não eram, como ele... Existiam certas coisas que o dinheiro não comprava e o seu caráter era uma delas. Mas as palavras dele eram como agulhas perfurando seus ouvidos, um lembrete que ele nunca se encaixou e, não importava o quanto mudasse, não se encaixaria. Apesar de entender e sua mente inquieta está sempre numa velocidade máxima, ele não conseguia pensar em nada para responder. Chegou a abrir a boca para falar algo, mas não tinha uma resposta ácida como seu oponente. Esse não era seu forte. Mas seu forte poderia ser apenas ser melhor que Camilo. Nada iria enfurecê-lo mais se ele não engajasse. "Mudar seu comportamento? Não sabia que você conseguia ter um comportamento diferente de um adolescente com tesão." Distrair, divergir, mudar o assunto como se tivesse desinteressado.
camilo levava pouquíssimas coisas a sério: seu guarda roupa, e o cuidado com os animais. era por isso que adentrava o local ajustando seu terno impecável, pronto para fazer valer as próximas horas naquele evento. uma coisa havia aprendido: havia burocracia demais na benfeitoria. ele tinha dinheiro suficiente para resolver inúmeros problemas; mas sempre haveriam obstáculos no meio do caminho. e por obstáculos, é claro, referia-se à corrupção terrivelmente enraizada em qualquer meio. era um dos motivos, afinal, de apreciar o controle sobre a própria fazenda, visto que tudo ali era de fato em prol dos animais resgatados. infelizmente, camilo não podia comportar todos os animais do mundo no local, e para ajudar os tantos outros fora de seu alcance, não podia se dar ao luxo de uma abordagem simplista e ingenuamente otimista. um grande evento, repleto de pessoas importantes e reconhecido pela mídia, era a melhor maneira de exigir uma prestação de contas por parte dos órgãos envolvidos. ricci sabia que no final, certa parte do valor arrecadado jamais atingiria o objetivo final e nobre — mas assim, pelo menos, podia garantir que a maioria o faria.
a organização não fora de sua exclusiva responsabilidade, embora estivesse envolvido no evento desde o começo. especialmente com as mais recentes descobertas, devia admitir que fora mais relapso do que gostaria nas últimas semanas. prometeu a si mesmo que compensaria ao garantir o sucesso daquele evento. ao parar diante do pôster ridículo em tamanho desconfortável, quase se arrependeu da promessa. com as mãos no bolso, encarou a foto, incomodado. o que aquele idiota tinha a ver com o evento? quem tomou a decisão? “alina” camilo chamou a jovem organizadora, que tirou os olhos de sua prancheta por meio segundo. “o que essa foto está fazendo na parede?” ela pareceu mais confusa que o homem, antes de explicar que matteo era praticamente o garoto propaganda de todo o evento, além é claro do próprio ricci. ainda o relembrou que havia alinhado os detalhes da campanha com camilo há vários dias. ele torceu o nariz ao se recordar que alina o havia ligado justamente no fatídico dia da cascata, em que ele simplesmente não conseguira prestar atenção em nada além do ocorrido. ‘você só disse ‘tanto faz, alina, escolha o que for melhor pra campanha’. bom, o melhor é ele. batemos um ótimo número nas redes sociais e as doações foram significativas.’ camilo revirou os olhos. o melhor é ele. aquele idiota tinha que se enfiar em mais um assunto seu? matteo podia ter ajudado na arrecadação virtual, mas eram os contatos de camilo que faziam as doações substanciais. alina atendeu alguém no celular e saiu andando, bem a tempo de camilo avistar a última pessoa que gostaria de ver.
“isso aqui está dolorosamente parecido com meu inferno pessoal.” disse, apontando para as diversas versões do homem espalhadas pelo recinto. particularmente, a foto com o gato o fazia querer arrancar os olhos fora. “e se for uma amostra grátis do que me espera lá embaixo, talvez seja melhor começar a mudar meu comportamento.” enquanto falava, aceitou uma garrafa de champanhe que lhe fora oferecida. “por mais que eu vá ter pesadelos com essas poses ridículas, admito que você foi uma boa escolha, sabia? vira-latas são os que mais causam comoção mesmo” o sorriso nada combinava com o tom áspero e os dizeres rudes. “ah, desculpa. acho que pra entender sarcasmo é preciso de um QI um pouco mais alto. não se preocupe, na próxima vez que eu te insultar, farei num nível compreensível a uma criança de cinco anos”
Desde o acontecimento na caverna, Matteo não conseguia parar de pensar na maldição, na profecia, nos acontecimentos que o levaram até ali. Sua mente sempre foi inquieta e a enorme quantidade de perguntas e incertezas não ajudava em nada. Ao contrário dos outros, entretanto, ele achava que seria o que teria mais dificuldade em conseguir juntar os pontos, afinal, Matteo só conseguia ter resultados a partir de muita disciplina e ele não sabia se tinha disciplina suficiente para aquela coisa tão... estranha. Sempre foi metódico, ao ponto de ser superticioso. Se tinha um casting, precisava levar o rosário da sua mãe, porque carregou quando teve o seu primeiro grande trabalho. Se tinha uma competição, se alimentava exatamente da mesma forma no dia anterior, a fim de não arriscar passar mal. Ser uma das almas gêmeas não estava exatamente nos seus planos e ele não sabia se conseguia entender. Por que ele? Não seria algo que teria uma resposta. Uma pequena parte dele, entretanto, queria acreditar que tudo era verdade e, quem sabe assim, ele não podia realmente achar alguém que o quisesse além das aparências.
No seu horário habitual, religiosamente, Matteo entrou na Casa Comune para a única coisa que o trazia paz. Mesmo que tudo estivesse confuso e estranho, a sua rotina e, principalmente, a sua rotina de exercícios era a coisa que mais acalmava a mente inquieta de Matteo. Estava tão envolvido no seu set que não notou a aproximação de Olivia, que normalmente atraia olhares alheios por onde passava. "Ah," exclamou, sentido-se estúpido que aquela era a primeira palavra, ou som, que emitia para a ex-namorada em sete anos, "claro," disse se afastando um pouco do Smith Press. Ele molhou o lábio superior com a ponta da língua, como se o movimento pudesse, de repente, fazê-lo saber todas as palavras que deveriam ser ditas. Porém não sabia, ou não queria saber. Matteo nunca foi um homem de muitas palavras, mas se havia alguém que tivesse conhecido todas as palavras que ele tinha, aquele alguém era Olivia. Era o mais próximo que estivera de vulnarabilidade verdadeira. Uma das poucas amigas que tivera. Se é que poderia chamá-la de amiga quando foi tão fácil para ambos se desvincularem. Matteo agora via como ele havia sido estúpido. Um emoji confirmando o término era dificilmente uma atitude sensata, mas naquela época ele não conseguia lidar com o desconforto que as sensações lhe davam. Achou que o término seria para o melhor, mas sempre teve uma pontada de arrependimento de como as coisas acabaram. Se, por nada, Olivia não merecia o lado babaca que ele certamente podia apresentar. "É bom vê-la novamente," acabou dizendo apenas para preencher o silêncio, mas logo se sentido ainda mais idiota por que não fazia sentido; ele a via o tempo todo pela cidade, só não se falavam. "Então...?"
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casa comune (academia)
Há muito tempo que Olivia não era mais do tipo que passava dias refletindo sobre sentimentos. Gostava de agir, de tomar decisões rápidas e certeiras, sem se permitir devaneios desnecessários. Mas em alguns momentos afrouxava suas garras, como agora, quando após a revelação de ser uma das almas gêmeas, um nome em especial parecia insistir em permanecer em sua mente: Matteo. Ela não esperava sentir falta dele. Não daquela forma. Não apenas das conversas e da química fácil entre os dois, mas da sensação de serem um casal tão amado, da forma como os olhares se voltavam para eles quando entravam em um lugar juntos. Alguns os admiravam, outros os invejavam, mas, no fim, tudo se resumia a atenção – e Olivia sempre adorou estar no centro dela. Pensar nisso se tornou um hábito irritante, quase incontrolável, nos últimos dias, até o dia em que o dono do Il Giardino anunciou que ofereceria um jantar gratuito a todos eles, na mesma noite. A ideia era boa, uma ótima oportunidade para socializar e desfrutar de um evento requintado. Mas Olivia só conseguia pensar em uma coisa: queria ir com Matteo. A decisão se formou dentro dela como algo inevitável, e quando percebeu, já estava planejando como encontrá-lo. Sete anos haviam se passado, mas o ex-namorado continuava metódico como sempre – os horários dele na academia nunca mudavam. Ela não podia simplesmente mandar uma mensagem, não depois de tanto tempo. Não depois de, justamente, ter terminado a relação dessa forma.
Foi assim que, num fim de tarde, Olivia entrou na academia com roupas esportivas, ainda que não tivesse intenção nenhuma de se exercitar. Seu coração batia mais rápido do que gostaria de admitir enquanto seus olhos procuravam por ele. E lá estava Matteo. Sozinho, como sempre, focado e disciplinado. O alívio por não precisar lidar com plateia a fez soltar o ar que nem percebeu que estava prendendo; o que era incomum, visto que ela adorava ser vista. Liv caminhou até ele, sentindo um desconforto estranho crescer em seu peito. Não sabia por que estava tão nervosa – isso nunca acontecia. Desde que passara por todos os procedimentos que a transformaram na mulher que era agora, nunca mais havia se sentido assim ao falar com alguém. Mas ali, diante dele, sentiu como se tivesse voltado no tempo. Como se ainda fosse a Olivia “patinho feio”, hesitante, ansiosa, presa à insegurança que acreditava ter deixado para trás. Parou perto o suficiente para que ele notasse sua presença e pigarreou discretamente antes de falar. “ Oi, Teo. ” Foi um cumprimento sutil, quase tímido, e aquilo a irritou. Ela não deveria estar nervosa. Olivia respirou fundo, se forçando a continuar antes que perdesse a coragem. “ Sei que detesta interromper o treino para falar, e prometo não tomar muito do seu tempo, mas… será que podemos conversar rapidinho? ”
Matteo já tinha certeza de duas coisas — primeiro, definitivamente não queria estar ali. Segundo, definitivamente não ia conseguir sair agora. Matteo não lembrava de ter aceitado participar da brincadeira, mas lá estava ele. Sentado, fone de ouvido nos ombros, tentando entender em que momento deixou de controlar o próprio caminho naquela noite. Provavelmente no instante exato em que os olhos dele cruzaram os dela — e Scarlet, com o típico jeito dela, simplesmente não se importava se ele queria estar ali ou não. Com a falta de som ao seu redor, o mundo inteiro parecia suspenso. Scarlet estava à sua frente, e Matteo se forçou a respirar mais fundo do que precisava. A decoração da sala parecia mais quente do que o normal, com as luzes em tons de vermelho e dourado transformando o ambiente num lugar claustrofóbico demais para alguém que andava evitando até os próprios espelhos.
Ela articulou algo com os lábios. Devagar. Clara. Precisa. Matteo deveria estar prestando atenção. Mas tudo nele se fixou na forma como ela movia a boca — no contorno perfeito, no leve brilho do batom que parecia recém-retocado, na forma como ela dizia cada palavra como se fosse uma sentença. Matteo sentiu o ar preso no peito. Um calor estranho subiu pelo pescoço, e não era só pela iluminação ou pela proximidade. Era a forma como ela dizia aquilo. A forma como os olhos dela não recuavam.
Ele piscou, tentando retomar o controle. Tentando se lembrar de que era só um jogo idiota com frases aleatórias. Mas não soava aleatório. Tirou um lado do fone com a ponta dos dedos. A voz saiu mais baixa do que esperava, “que tal tentar algo mais inofensivo? Uma palavra?” Porque ele estava confuso se estava entendendo aquilo como uma palavra ou uma provocação. Colocou o fone de volta antes que ela pudesse responder, como se precisasse se proteger da resposta. Mas o estrago já estava feito. Ele ainda sentia o calor dos próprios pensamentos queimando sob a pele.
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Mais uma dinâmica na qual não queria participar mas se sentia ao menos na obrigação de tentar. Não era a pessoa mais divertida, nem a mais animada para esses jogos, ainda mais com toda aquela decoração romântica a sua volta que quase parecia a sufocar.
Mas antes que cogitasse sair dali, avistou a imagem familiar e se aproximou, sem rodeios e sem demora, o empurrando na direção onde pudessem jogar. Matteo parecia um pouco perdido, sem nem entender o que estava acontecendo, muito menos o motivo dos olhares os encarando. Scarlet, por sua vez, não dava a mínima para as pessoas ao redor, apenas queria entender onde aquela dinâmica os levaria.
Toma. - Entregou-o o fone, deixando claro como que se iniciaria a brincadeira. Ambos ficariam sentados um na frente do outro, precisando interpretar exatamente o que o outro dissera. - Calma, duas palavras! - Tentou deixar claro que era algo duplo, e ao menos isso ele entendera... Respirou fundo, negando com a cabeça e pensando em só dizer o que precisava. Já havia recebido uma orientação, falar de coisas marcantes de si, do outro, alguma qualidade, mesmo que não se lembrasse muito das de Matteo. - Lábios vermelhos. - Não podia fazer mímica, não podia mostrar, então ele teria que realmente prestar atenção e se concentrar. - Lábios vermelhos. - Repetiu mais uma vez, pausadamente, com o máximo de calma que conseguia.
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Matteo não respondeu de imediato. O olhar dele percorreu o rosto dela, demorando meio segundo a mais nos olhos — como se estivesse tentando decifrar o que ela realmente queria dizer por trás do deboche. "Eu não julgo." A voz saiu baixa, quase rouca, e seus ombros rolaram quase automaticamente. Seu olhar deslizou para a maquiagem discreta, nada característica de Scarlett, depois voltou para os olhos dela. "Quando eu disse que sou santo?" Perguntou com curiosidade. Scarlet, Aleksander — eles não pareciam entender a diferença entre ser calado e ser santo. Matteo enfiou as mãos nos bolsos do casaco, os ombros levemente tensos, e desviou o olhar por um instante. Parecia que ia embora. Mas não foi. "Você devia ser mais legal — afinal, a gente está no mesmo buraco." Existia uma chance da Scarlett ser sua alma gêmea? Sim. Ele iria sequer entreter aquela possibilidade? Absolutamente não. Mas era assim que ele se sentia com a maior parte do grupo.
Scarlet odiava ir à igreja, mas ao menos uma vez por mês dava o ar da graça apenas para manter as aparências, principalmente pela relevância de sua família e para manter a imagem de "boa moça", que convenhamos, boa parte das pessoas daquela cidade sabia que não era bem assim. Conseguia atuar perfeitamente, se mostrando atenta ao sermão e até mesmo fazendo as rezas que sabia de cor. A maquiagem que geralmente era pesada e com um batom vermelho chamativo, hoje era algo tão leve que era quase imperceptível. Quando acabou, cumprimentou as pessoas que estavam ao seu lado com um belo sorriso, mesmo que fosse falso, ninguém sequer notaria isso mesmo... Ou foi o que pensou quando Matteo se aproximou. - Como pode ver, estou intacta. Mas você não é bem um santo também para me julgar, não é mesmo? - O respondeu em um leve tom de deboche, e no mesmo tom de informalidade que, não sabia em qual momento ao certo, adquiriram essa "intimidade" para tal.
A única resposta que tinha para aquilo era revirar os olhos. Não era sua preocupação — nem do seu interesse — o que se passava na cama de Camilo, mas obviamente era uma das (poucas) coisas que ele poderia indubitavelmente criticar Camilo. Ao menos a moralidade do homem, ou a falta dela, nunca o deixava na mão. Era incrível sua habilidade de ser... Previsível. Era como se Camilo quisesse que todo mundo o visse apenas como uma imagem caricata de quem realmente era. O personagem mais clichê de uma comédia romântica, mas nesse caso fazendo de tudo para não entrar em num arco de rendenção. A mandibula se contraia involuntariamente — Matteo não se importava. Camilo podia fazer um bacanal que não era da sua conta. Não tinha nenhuma interação com Camilo em que ele enxergasse a possibilidade de acharem um meio termo naquele campo de batalha, que pudessem ao menos ser cordiais. Matteo estaria disposto à deixar de lado ao menos os insultos vazios e as ironias desnecessárias, mas Camilo não parecia interessado numa trégua e ele não estava disposto a tomar todos os tiros para ser alguém melhor.
Novamente, não era completamente imune a alfinetada trocada pelo mauricinho, mas ele não deixaria Camilo saber que aquelas palavras o incomodava. Não precisava de um lembrete de como as informações fugiam da sua mente ou se embaralhavam com outras informações de forma a se tornarem quase incompreensíveis. Não precisava ser lembrado de que ele não havia graduado com honras e que a universidade não estava nos seus planos. Não precisava ser lembrado que era sorte que havia conquistado e chegado aonde havia chegado, e o resto ele colocava nas mãos de gente que conseguia lidar com as informações de maneira estratégica, da forma que ele não conseguia. Ele confiava nos outros para guiar o seu destino. Mas não precisava de Camilo para lembra-lo daquilo de forma alguma. Sua mente indo a mil milhas por segundo e ainda assim ele não conseguindo ter as mesmas conclusões óbvias que os outros era um lembrete constante que ele não estava na mesma frequência que todo mundo. Seus músculos se contrairam com o toque. Instintivamente, ele se arrumava para a batalha, mesmo que aquela fosse apenas metafórica. Não iriam trocar tapas, nem socos, e aquilo era um testamento à sua determinação de não levantar a mão para Camilo. Para parecer menos tenso e deixar a foto mais natural, Teo levou a mão até o meio das escápulos do mais velho, olhando para o fotógrafo numa tentativa de tirar a mente do toque bizarro. Vestígio de uma realidade paralela onde talvez Camilo e Matteo se dessem bem. Com a aproximação súbita, Matteo quase deu um passo para trás instintivamente, sentindo o hálito quente de Camilo em sua pele; e o calor eriçando os pelos na sua nuca desconfortavelmente. Idiotamente, ele culpava a maldição, mesmo que não acreditasse naquilo. O fato de toda aquela fábula envolver os dois de certa forma era a única razão pelo qual ele sequer estava desconfortável naquela proximidade. Ele precisava colocar a distância entre eles novamente. "Por que você está preocupado com meu tamanho, Ricci?" Levantou a sobrancelha, tentando manter o sorriso falso que falhou por um momento. Ele não gostava de ser provocado, muito menos ele gostava de ter que dar satisfação para Camilo. Mas maldito seria se não o respondesse. "Eu ainda posso quebrar você no meio." As palavras duras possuiam grande dissonância com o sorriso que dava para as câmeras, mas tudo fazia parte do teatro e ele já tinha muito treinamento em manter um sorriso para as lentes agora que havia se recomposto o suficiente. "Ou que tal pergunta para Olivia? Ela não tinha nenhum problema com meu tamanho," forçou um sorriso amarelo para o outro. Se tinha algo imperdoável para Camilo, aparentemente, era o fato de Matteo ter namorado Olivia. Pelo que entendia, Olivia nem era ao menos para ser a pessoa que era prometida a Camilo. Era a sua irmã. Era ridículo que ele achasse que podia conquistar Liv com as coisas de família quando ela não seria nada além da segunda escolha.
tudo bem, sabia (beeeem lá no fundo) que não era justo considerar matteo um completo idiota. o próprio camilo não era a pessoa mais academicamente brilhante, embora compensasse com a esperteza safada adquirida durante a vida. acima de tudo, ricci sabia o que era ter pessoas duvidando de suas capacidades e do quão frustrante aquilo podia ser. se ele tomasse um tempo para olhar o mundo além do próprio umbigo, reconheceria que todas as suas provocações não apenas eram maldosas como equivocadas. se matteo fosse assim tão incapaz, como o mais velho estava acostumado a provocar, não teria tanto sucesso. mesmo um rostinho bonito - e um corpo melhor ainda - não seriam suficiente se ele não tivesse nada além para oferecer. mas de todos os momentos em que camilo poderia se disponibilizar a enxergar o outro por lentes mais gentis, aquele com toda certeza não era um deles. especialmente não quando toda aquela conversa de alma gêmea trouxera à tona mais do que nunca o ressentimento por olivia, e todo o sentimento de insuficiência que agora parecia querer instigar em bianchi apenas por despeito. "não se preocupe, isso está na minha lista para mais tarde." instintivamente os olhos buscaram caterina, a jovem loira casada com o presidente do banco da cidade vizinha, um homem pelo menos trinta anos mais velha que ela. então voltou a focar no adversário à frente, particularmente frustrado por sentir que ele era o único a lidar com aquela situação como se fosse uma competição.
ele preferia presumir que matteo simplesmente não era capaz de devolver suas provocações do que acreditar que o mais novo apenas não o considerava merecedor de seu tempo e esforço. talvez se ele engajasse naquela briga que camilo constantemente provocava, eles se socariam uma ou duas vezes e seguiriam em frente. mas não... toda vez que matteo se mantinha suficientemente controlado diante de cada provocação era como um golpe por si só. "é, você não é conhecido por saber muita coisa mesmo." respondeu, o tom repleto de cinismo. antes que pudesse ser ainda mais indelicado, um fotógrafo se aproximou solicitando uma foto. ricci concordou e ajeitou a postura ao lado de bianchi, erguendo o queixo para compensar os míseros dois centímetros que ele jamais admitiria separarem os dois. a mão esquerda se escondeu no bolso da calça e a direita foi até o ombro alheio, em uma espécie de abraço, dando uns tapinhas como se fossem amigos de longa data. não deixou de notar duas coisas: primeiro, o quão enorme eram as costas largas e musculosas do rapaz. ele próprio tinha um físico muito atraente, mas não era tão forte. segundo, o perfume que lhe atingira o olfato provocando uma reação absolutamente diferente do esperado. ele costumava se lembrar do cheiro das pessoas com facilidade, mas não se recordava de que matteo cheirava tão bem. especialmente para um homem das cavernas. talvez fosse a primeira vez que se aproximava dele sem ser após horas de exercício. franziu ligeiramente o cenho para os próprios pensamentos ridículos, um pequeno riso escapando e se camuflando bem como algo intencional para a foto. entre um clique e outro, aproximou o rosto do ouvido alheio, como quem está prestes a contar um segredo. "só te achei meio magrinho. acho que precisa tomar mais whey. ou bomba, sei lá o que você usa"
Ele soltou uma risada. Não esperava que Aaron tivesse qualquer senso de humor. Não que Matteo fosse conhecido pelo seu grande senso de humor, mas estava esperando mais um punhado de comentários ríspidos e sarcásticos. Pelos burburinhos, Aaron era tão conhecido por isso quanto ele era conhecido pela sua falta de vontade de conversar com os outros. "Pela diversão?" Perguntou com se não o entendesse, com uma sobrancelha levantada. "Eu estou aqui porque nosso amigo falou para eu o encontrar aqui. Eu não sabia que era um encontro." Talvez a sua resposta fosse muito defensiva, mas ele não queria que o outro ficasse pensando que ele estava indo para um encontro e, pior, com Nico. Tinha uma reputação para manter. "Eu acho que as forças cósmicas tem mais o que fazer do que decidir a minha vida amorosa," Matteo disse de forma resoluta, so contentando em dar uma resposta rasa. Com oub sem maldição, não acreditava que havia algo escrito nas estrelas, algum caminho que ele deveria seguir. Se existisse, alguém nesse universo devia odiar muito sua família, porque eles não podiam ter recebido uma mão pior para o jogo da vida. "O grupo de almas gêmeas? É mais capaz de termos sido assassinos e vítimas um do outro do que qualquer coisa romântica," comentou passageiramente, se rendendo ao copo de vinho em sua frente e tomando um gole. "Como você foi parar na cachoeira?" Perguntou.
Aaron soltou um riso curto, balançando a cabeça enquanto girava a taça de vinho que já tinha na mão. "Não, não diria isso." Levou a bebida aos lábios antes de continuar, a expressão carregada de ironia. "Mas, considerando que sua alternativa era o Nico, eu definitivamente sou um upgrade." Ele apoiou um cotovelo na mesa, observando Matteo com um interesse mais analítico agora. A cidade inteira estava obcecada com aquela história de almas gêmeas, e era interessante ver como cada um lidava com isso. Matteo, ao que parecia, estava tão cético quanto ele – o que tornava aquilo tudo um pouco mais suportável. "Mas já que tocamos no assunto," continuou, agora mais relaxado, "o que você acha dessa coisa toda? Vai fingir que não acredita e só está aqui pela diversão, ou já está começando a pensar que pode ter uma força cósmica decidindo sua vida amorosa?" A pergunta veio com um tom levemente provocativo e levemente julgador, mas sem pressão real. Apenas uma forma de medir a temperatura do encontro – e do próprio Matteo.
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Desde os acontecimentos da festa de Helena, Matteo estava confuso. Não era que havia se arrependido da sua decisão de se soltar no evento e deixar que a festa tomasse o rumo que tivesse que tomar. Mas estava confuso com algumas das pessoas com as quais havia se soltado — principalmente com o pior deles. Aleksander. O homem havia ido até a academia para provocá-lo, carregando parte da sua fantasia. Matteo nunca realmente falou que ele era hétero ou bisexual, apesar da constante especulação da cidade. Parte deles, acreditavam fielmente que ele era gay. Na verdade, apesar de já ter navegado por entre alguns vídeos de homens, os beijos dados em homens no evento havia sido sua primeira e segunda experiência com o mesmo sexo, e o que tornava mais enfuriante era o fato dele ter gostado, agora sabedo quem ele havia beijado.
Não sabia como lidar com nada daquilo — nunca foi muito bom em comunicar o que sentia — mas ele sabia que precisava falar aquilo para Liv antes que a história chegasse em seus ouvidos, ainda seria pior se chegasse para ela por Aleksander. Aquela loucura de famílias ricas que forçavam seus filhos a se casarem era demais para ele, mas a história de Olivia e Aleksander tinha esse aspecto estranho o qual ele não dividia com ela. Talvez fosse exatamente o que ela precisasse.
Matteo havia decidido que seria melhor contar a versão mais leve dos acontecidos. Nada sobre como ele havia se sentido, nada sobre como foi. Eles se beijaram, apenas isso. Duvidava que Aleksander iria querer entrar em detalhes sobre o acontecido também. Porém, ele não havia preparado Liv, nem dito que precisavam conversar, ele não queria criar aquela expectativa. Ele só esperava que teriam um momento para falar sobre aquilo.
Se encontraram na feira como haviam combinado na noite anterior depois de um tempo sem conseguirem se ver. Talvez estavam indo mais devagar do que ele imaginava quando sugeriu que fossem com calma, mas entre sua rotina já ocupada e aquela confusão de pensamentos que ele não estava conseguindo processar, a maior parte do seu tempo livro, Matteo passava com o nariz enfiado no seu diário. "Você tem certeza que é isso que você quer fazer?" Matteo perguntou para Liv, esperando que talvez ela mudasse de ideia de alguma forma, apesar do massoterapeuta ter acabado no com a sua explicação e deixado eles na sala sozinhos. Ele era um homem vaidoso em geral, apesar que estava sempre buscando um ideal de beleza que parecia inalcançavel. Magro demais. Branco demais. Não se deixe bronzear demais. Faça as sobrancelhas. Mas não finas demais. Tenha pêlos para ser viril. Mas não pelos demais. Matteo não sabia se autocuidado era exatamente o que ele precisava.
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Matteo não sabia como tinha parado ali. O nome da atividade estava num quadro pendurado no ateliê de Artes, no terceiro andar. Leitura Labial – romântico e divertido! Com corações desenhados em giz rosa e glitter. Era um pouco demais para uma cidade que na teoria não podia sentir o amor. Suspirou fundo, cruzando os braços enquanto observava de longe a movimentação. As pessoas pareciam animadas demais pro gosto dele. Risadinhas, empurrões, gente encarando umas as outras com segundas intenções. Nada disso fazia sentido.
Matteo já estava virando para sair do caminho quando percebeu que, de alguma forma, tinha sido empurrado para participar. Literalmente. Alguém riu atrás dele. O empurrão não era figurado. Por algum motivo, ainda tinha gente demais olhando pra ele. Talvez fosse o corpo — que ele já tinha aprendido a controlar. Ou talvez fosse ela. Dava pra sentir no ar quem era o seu par na dinâmica, provavelmente também à contragosto. A presença dela tinha uma temperatura própria: quente e, ainda assim, gélida. Sempre que Scarlet estava por perto as coisas pareciam ficar… tensas. Não era o tipo de mulher que tentava ser simpática Ela, pelo menos, era honesta no desprezo. Ou talvez só gostasse de brincar com os nervos dos outros. O fone de ouvido foi colocado sem muita cerimônia. Música alta. Baixo vibrando no maxilar. Ele suspirou, ajeitando os fios atrás da nuca enquanto se perguntava por que, exatamente, ainda frequentava eventos comunitários de Khadel. A maldita cidade parecia sempre arranjar um jeito de colocá-lo em situações constrangedoras. Matteo não disse nada. Só encarou. A mandíbula tensa, o maxilar marcado pela raiva contida. Ele odiava esse tipo de situação — essas armadilhas sociais disfarçadas de brincadeira inocente.
O primeiro movimento de lábios aconteceu. Lento, teatral, debochado. Matteo franziu o cenho, tentando decifrar. A boca se mexeu como se soubesse que ele falharia. “Macarrão com leite?” arriscou, sem pensar muito no que de fato estava sendo dito.
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Matteo se sentia atraído pelo evento de alguma forma. Talvez fosse relacionado a maldição que, agora, ele hesitantemente acreditava. Principalmente depois que ele foi até a cigana e agora ele não conseguiu mais se sentir confortável na sua pele ou olhar o seu reflexo no espelho. Talvez por acontecer na casa de Rose Von Bleicken, que ele se via voltando dia após dia. Talvez fosse porque ele não quisesse ficar dentro da própria casa, onde os espelhos estavam cuidadosamente cobertos. Ir na academia era uma pequena sessão de tortura, onde ele assistia o seu eu de quatorze anos levantando cento e quarenta kilos. Naquele evento, ele podia evitar tudo isso e cada dia parecia carregar uma nova surpresa para ele. Naquele dia, ele estava olhando os produtos à venda no L'Erbario di Gilda. Isso é — até Nonna Gilda aparecer com um som ultrasônico, "i miei amanti," ela disse, abrindo um braço para ele e outra para alguém atrás dele. Matteo olhou por cima do seu ombro, vendo a figura de Helena. Ele queria resmungar, audivelmente, mesmo que ele tenha até partido em bons termos com Helena. Ele não estava com disposição para a personalidade gigante dela. Mas parecia que eles estavam sendo arrastados já para dentro de algo que parecia uma tenda improvisada, com cheiros fortes. "A gente só tem que ser forte e aguentar um pouco," ele finalmente murmurou em direção a Helena.
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O motivo pelo qual ele gostava de estar sozinho era pelo desconforto que o silêncio ocasionava. Não tinha mais estranho que duas pessoas que mal se conheciam forçadas a estarem juntas num silêncio desagradável. Não que o silêncio em si o incomodasse. Matteo. apreciava o silêncio quando estava sozinho. O problema era a companhia. Como se a pessoa ao seu lado pudesse observar a sua parte mais íntima só com o par de olhos pregados nele. Claramente, não era isso que Helena fazia, mas tinha uma parte dele que acreditava que ele seria pego de surpresa, na sua farsa. Ele seria descoberto. Seja porque ele não era tão bom quanto as pessoas imaginavam, para aquela fama que ele não sabia o que fez para merecer, seja porque iriam descobrir que na verdade ele foi parar na cachoeira ao acaso, não era uma das almas gêmeas, fosse apenas pelo fato que ela notaria o que ele sempre soube; ele não era especial. Ele engoliu silenciosamente a própria saliva, tentando umidecer a garganta que estava seca à todo momento. Abriu a boca para perguntar se ela realmente acreditava na maldição, mas antes das palavras saírem, ele se refreeou. A falta de intimidade entre eles não deixava que ele pulasse tão rapidamente da poça rasa de socialização que estavam para suas convicções mais profundas. Matteo não conseguia entender certas nuances da socialização. Ele preferia que as coisas fossem ditas de maneira direta e clara, sem que ele precisasse ficar tentando decifrar o significado. E, dessa forma, ele não conseguia entender se tinha uma sutileza no que ela dizia, como se ele devesse algo para ela por ter estado naquela campanha. Ele tinha feito apenas o seu trabalho. Não foi como se tivesse arquitetado para as coisas acontecerem da forma que aconteceu. Claro que todo o furor que ela havia causado tinha sido incrivelmente benéfico para Matteo, mas se ele não tivesse monetizado o momento como havia feito, não teria feito diferença. Porém, poderia ter sido apenas um comentário inocente que ele estava racionalizaod demais. Poderia não ter sido absolutamente nada. "Sim. E com o instagram eu consigo outros trabalhos..." Teria preferido que ela tivesse feito outra pergunta, uma que não direcionasse o foco tão para ele, mas tinha a impressão que passaria aquele encontro desconfortável. Em um encontro seria esperado que ele falasse dele mesmo. "É, a calmaria de Khadel certamente é um atrativo para quem gosta de paz. Acha que voltou de vez?" Perguntou e aquela pergunta tinha diversos motivos. O primeiro, para desviar o foco novamente dele, e o segundo era que se algo sequer pudesse acontecer (Matteo ainda achava difícil ele estar nessa confusão), se ela ficaria na cidade ou iria mudar novamente.
O olhar que Helena direcionou a Matteo poderia servir como uma boa explicação e até poderia faze-la em alto e bom tom, mas apenas se restingiu a levar a bebida aos lábios, até porque deveria ser algo mais do que obvio que nenhuma mulher gostava de ser forçada a se manter numa conversa com homens que não conhecia principalmente estando visivelmente desconfortável. Talvez alguns achassem que ela era imune àquilo, ainda que acreditasse que não importava a classe social, popularidade ou fama, toda mulher seria posta a prova por algum homem tentando sua sorte. O que piorava quando a pessoa em questão era como ela e não sabia dar um fora direito...
O olhar de Sorrentino mudou de foco para as pessoas que cantavam no palco, alheios a eles e por um segundo sorriu, vivenciavam algo que tão facilmente tinha: atenção, prestigio. A pergunta do companheiro, porém, a trouxe para a realidade, fazendo-a voltar a olhá-lo, dessa vez com um sorriso "Er... Incrivelmente andam mais calmas. Mesmo com o lance da maldição e tudo mais " com a taça apoiada na mesa ela mudou de posição na cadeira para que pudesse ficar mais de frente para o rapaz. Muitos achavam que a vida de celebridade era um mar de rosas, calma e cheia de glamour... Em maioria era sim. Por outro lado tinha os ônus de ser uma figura pública, coisa que ali não estava acontecendo com tanta facilidade "A cidade é pequena, não há tantos fãs ou paparazzis. Por mais que eu ame atuar essa calmaria me faz bem" sabia quem ele era. Já tinha feito suas pesquisas sobre cada um dos 'renascidos' até porque tinha que ter uma noção qual deles poderia ser sua alma gema, buscava pessoas minimante parecidas "Mas e você hun? Soube que disparou depois daquela campanha... Continua como modelo?"
Estóico. Era assim que Matteo poderia ser definido. Ao menos, pelo olhar externo. Ele se colocava acima de tudo, acima de todos, mas não de uma forma que ele era melhor que todos, apesar de certos burbirinhos agirem como se assim ele o fizesse. Era de uma forma que era indiferente à todos. Ele continuaria agindo como se nada pudesse atingí-lo, sem jamais dar o sabor que seus conterrâneos tinham na adolescência, onde podiam zombar e abusar dele sem que ele retornasse o favor. Nunca mais seria um alvo fácil de chacota. Ele puxou discretamente a gravata depois de verificar que não havia ninguém ao seu redor. Não sabia qual era o motivo do seu nervosismo, mas seu estômago parecia dar cambalhotas de desconforto. Não era como se fosse a primeira vez que saía com Olivia, ou um primeiro encontro, mas quase sentia o peso da expectativa da cidade sobre ele.
Observou ela se aproximar com toda a confiança que sabia muitas vezes que ela apenas fingia ter. Fake it until you make it, não era? Não que Olivia fosse a garotinha insegura de muitos anos atrás, mas ninguém era perfeito daquela forma, nem mesmo Liv. "Oi," retribuiu o cumprimento, deixando que ela falasse ao contentamento do seu coração. Sempre foi assim ─ Matteo na verdade achava perfeito que ela falasse o quanto quiser e enchesse o ambiente com seus assuntos, sem que ele se sentisse desconfortável por estar mais quieto.
Matteo tinha uma pergunta, mas uma pergunta que já sabia que não teria resposta: Olivia gostava dele ou da ideia dele ser a alma gêmea dela? Seria tudo só parte do teatro da vida perfeita que Olivia levava? Ele sabia que sua vida não era tão perfeita assim como ela gostava de ostentar nas rede sociais. Mas o quão longe ela estava disposta a ir para manter as aparências? Sua mente poderia estar a mil por hora, mas sua expressão sempre estaria o mais estóica possível. Era a única forma que ele havia descoberto de não deixar ninguém ver o que estava por baixo das aparências, de mostrar qualquer outro lado dele que não fosse da vaidade, do narcissismo, do egocentrismo. "Vamos," ele ofereceu um curto sorriso, sendo aquele gesto apenas porque estava naquele lugar com Olivia. Apesar da distância entre eles dos últimos anos, ainda podia sentir um mínimo de familiaridade e conforto entre eles. Havia um resquício da amizade que tinha, pelo menos acreditava naquilo. Talvez fosse apenas otimista sobre o tipo de relacionamento que tinham.
Fazia muito tempo que ele não tinha um encontro. Tinha visto sua mãe reclamar sobre encontros horríveis mais vezes do que gostaria, como filho, na sua infância. Ela gostava de culpar a maldição, esbravejando depois de abrir mais uma garrafa de vinho o quanto estava tudo perdido, mas talvez o denominador comum de todos os encontros ruins era ela. Mesmo assim, Matteo havia aprendido o que não fazer para o encontro ser no mínimo agradável — uma palavra tão insonssa para definir o encontro quanto qualquer sentimento que pudesse aflorar naquela cidade. "Você já veio aqui?" A sua tentativa de conversa fiada parecia tão ridícula quanto a sua presença naquele restaurante. Ele sentia que se sobressaia da multidão, assim como nunca se encaixou na cidade. Além disso, a pergunta era ridícula porque era Olivia Boscarino e ela era nascida para lugares como aquele, independente de como ela havia chegado ali.
Olivia respirou fundo ao se aproximar do restaurante. Seus saltos batiam com suavidade na calçada, mas o som parecia ecoar no silêncio da noite. Ela estava nervosa. E isso, para ela, era algo raro. A sensação de algo grande à sua frente, algo que ela não sabia exatamente o que seria, era ao mesmo tempo assustadora e excitante. Ela tinha ensaiado algumas vezes a forma como iria se comportar nesse encontro, mas agora, à medida que se aproximava dele, tudo parecia tão... errado. Como se ela estivesse prestes a fazer algo que não deveria. No fundo, Olivia sabia que o motivo desse encontro não era apenas uma reconciliação ou a busca por explicações. Não era sobre isso. Era sobre sentir o gosto do que nunca teve, ou o medo de que fosse tarde demais. O destino. A maldição. Tudo parecia uma grande brincadeira que ela ainda não conseguia compreender. E quando viu Matteo ali, tão rígido, tão formal com aquele terno, Olivia sentiu algo estranho se formar dentro de si. Ela conhecia aquele olhar. Aquele desconforto. Aquele jeito de se sentir desconectado de tudo ao seu redor. Ela riu baixinho consigo mesma. Matteo podia ser tão previsível, até quando tentava esconder isso.
Ao se aproximar, um arrepio percorreu sua espinha, mas ela não deixava transparecer. Caminhava com confiança, como se estivesse desfilando, com aquele vestido preto que marcava cada curva de seu corpo. Ela tentou se manter calma, mas, ao vê-lo ali, a imagem que ela ainda tinha dele, o cara metódico, o homem que não gostava de surpresas, se chocava com a versão que ela queria entender. Ele parecia não ter mudado muito. Ainda era aquele cara distante de sete anos atrás. Havia uma barreira, uma distância que ela não sabia muito bem como atravessar de novo. “ Oi, Matteo. ” ela disse, a voz saindo mais suave do que o esperado. O sorriso vacilante que ela tentou mostrar foi sincero, mas havia alguma tensão, algo que ela não conseguia controlar. E, no fundo, ela sabia que ele perceberia isso. Mas não podia negar o nervosismo. O desconforto. O peso do momento. Ela deu um pequeno passo à frente e parou diante dele, com um olhar fixo. Aquele gesto, aquele olhar sincero... ela queria que ele soubesse que estava ali por uma razão. Uma razão que ela não sabia explicar, mas que sentia. “ Desculpe o atraso. Eu sei que você... ” ela hesitou por um instante, olhando para ele de cima a baixo. “ Você nunca foi de perder tempo, né? Mas eu sempre gostei de uma grande entrada, você deve se lembrar. ” Ela sorriu, tentando quebrar o gelo, mas as palavras soaram ainda mais sinceras do que planejava. “ Você está bonito. Não que isso seja uma novidade, você sempre fica bem em um terno. ” Ela não sabia o que esperava daquela noite. Talvez uma conversa simples. Talvez um esclarecimento. Ou talvez fosse só mais uma tentativa frustrada de buscar algo que não estava mais lá. Mas algo em seu peito dizia que, pela primeira vez em muito tempo, ela não estava com medo de tentar. “ Imagino que todos os outros já estejam lá dentro. Então... vamos entrar? ” Ela esticou a mão em sua direção. Podia estar de peito aberto a um momento mais íntimo, mas ainda era Olivia Boscarino; ela teria sua grande entrada.
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